A campanha eleitoral e as sondagens
Antes de mais, presto homenagem a Jerónimo de Sousa e a António Costa que foram os principais obreiros da mais fecunda experiência política portuguesa, a que o BE e PEV se associaram, para remover um governo que Cavaco se esforçou por manter, contra a vontade da AR e do eleitorado.
Ficarão ambos na História desta II República, o primeiro
pela iniciativa e o segundo por integrar os partidos à esquerda do PS na área
do poder e libertar o PS da chantagem da Direita, retirando-lhe o estranho
direito que se arrogava para definir o «arco do poder», ao arrepio dos
resultados eleitorais.
A experiência, irrealizável na próxima legislatura, tem boas
razões para não ser a última e é um desafio que, no futuro, há de condicionar
os neoliberais que se acolhem no único partido genuinamente social-democrata
português – o PS –, e fragilizar a Direita.
Dito isto, assisto com mágoa à luta fratricida das esquerdas,
em cujo campo me situo, a prever, com razoável aproximação, as alterações que
cada uma das sondagens seguintes veio a refletir, sem que a estratégia dos
partidos de esquerda, por cegueira, se alterasse.
É difícil saber se as sondagens servem para avaliar as
intenções de voto dos eleitores ou para as alterar. Ou para as duas coisas.
A opção da luta universal contra o PS condicionou os temas
da campanha, enfraqueceu a denúncia das fragilidades da Direita e permitiu a esta
organizar-se, com apoio dos seus adversários, quando já tinha a apoiá-la os
media, os comentadores, maioritariamente de direita, e as redes sociais onde as
mentiras, calúnias e desinformação têm uma central de intoxicação ao seu serviço.
É surpreendente para quem, tendo opções políticas firmes,
sem estar condicionado pelos partidos de que se sente mais próximo, continuar a
assistir ao cumprimento de um guião de propaganda nefasto para todos os
partidos de esquerda. É a vida!
Não deixam de me visitar fantasmas de um passado recente,
desde a primeira vitória de Rui Rio no município do Porto, em que o último
pedido ao eleitorado foi para não dar a maioria absoluta a Fernando Gomes, e
acabou presidente, até às eleições legislativas em que a intoxicação conseguiu
que Passos Coelho, através do PàF, tivesse mais deputados do que António Costa.
Recentemente, os resultados das autárquicas de Lisboa deviam
fazer refletir a Esquerda, em geral, e particularmente quem apenas pensa em
retirar a maioria ao PS, no que pode suceder se os eleitores de esquerda não se
mobilizarem para a vitória que diariamente se enfraqueceu.
Enquanto o arguido Eduardo Cabrita, ex-MAI, presumível
homicida de um operário da Brisa, vai aguardar em liberdade a decisão judicial,
prosseguem as sondagens e a campanha.
Comentários
António Costa tem sido inábil nesta campanha, mas o seu predicament (dilema, apuro) consiste no facto insofismável de que lhe era impossível propor uma nova geringonça depois do fim da antiga e também não pode comprometer-se, em caso de derrota, com um acordo de legislatura com Rui Rio, em nome de um PS que já não será dele.
Note-se, a esse respeito, que a palavra de Rui Rio não vale de muito. Se o PS ganhar com a Direita em maioria, quanto querem apostar que Rio faz logo uma geringonça à açoriana? E se o Esquerda tiver maioria, um governo Costa com apoio de Rio é um governo a prazo... E mesmo esse apoio virá seguramente com condições que dificilmente Costa poderá aceitar...
Chama-se jogo democrático e não deveria causar escândalo a ninguém, exceto a algumas almas que se calhar ainda suspiram pela 'alcachofrização' do PS pelo PCP, à semelhança do que fizeram os Partidos Comunistas nos Países do Antigo Bloco de Leste a seguir à Segunda Guerra Mundial aos seus congéneres social-democratas.
Se bem me recordo, foi Jerónimo de Sousa que abriu a porta à Geringonça ao dizer que Costa só não formaria Governo se não quisesse. Percebe-se a razão, o ataque ao sindicalismo do PCP na função pública empreendido pelo Governo PSD-CDS.
Depois de isto suceder, naturalmente que as fronteiras entre o PS e o PCP passaram a ser bem mais porosas, com fuga do eleitorado comunista para o PS. É a vida...
Eu por mim nunca mais olho para a "fronha" de gente sem ética que não se importa de denegrir os companheiros só porque isso lhes é mais conveniente. Que o pensassem e agissem com desvelo nada havia a reprovar. Gente sem dignidade. É brincar com os companheiros de route.
Fora de qualquer acordo escrito, é ingénuo acreditar-se que os Partidos não tentarão simplesmente maximizar a sua votação. Também ouço regularmente BE e PCP acusar Costa de ter provocado uma crise política no meio de uma pandemia só para abocanhar uma maioria absoluta, o SG do PS ao menos dá aos Partidos à sua Esquerda o benefício da dúvida de acreditar que eles provocaram a crise em nome dos seus princípios.
Mas Costa é acusado de um oportunismo que raia o anti-patriotismo e a estupidez...
Poupem-me com o vosso falso moralismo. Não são só as pessoas mais à Esquerda que têm princípios, só que quando eles calham de não serem os vossos, vêm logo dizer que esses princípios se limitam a servir interesses...
Quando se partilha o poder, mesmo da forma tão sui generis que foi a Geringonça, os Partidos de Esquerda deveriam ter noção da sua própria dimensão, em lugar de quererem servir de vanguarda, desde logo moral, para o PS.
O PS é como é porque os seus votantes assim o querem. Se eu quisesse um programa de Governo socialista votaria no BE ou no PCP-PEV. Por isso, não haverá socialismo em Portugal tão cedo.
Mas se o que o PS vos oferece não chega, sugiro que experimentem a Direita.
E que vos faça muito bom proveito...