A guerra colonial, a síndrome de Estocolmo e a falta de pedagogia cívica
Soube, com revolta, sem surpresa, da oferta de um casaco camuflado ao líder fascista, por antigos combatentes da guerra colonial.
Durante 48 anos descurou-se a pedagogia sobre a guerra
injusta, inútil e criminosa que a ditadura fascista prosseguiu quando os outros
impérios coloniais já tinham reconhecido a independência às colónias.
É difícil, para quem julga que esteve a defender a sua
pátria, aceitar, depois de tão longo sofrimento, que esteve a ocupar a pátria
de outros, e que cada dia de guerra acrescentou mortos e estropiados, aos dois
lados, e inviabilizou a permanência dos portugueses que aí construíram
honestamente a sua vida.
O drama dos retornados e o sofrimento dos soldados que aí
combateram, tornou-nos a todos vítimas da guerra colonial, e não heróis da
guerra do ultramar como os fascistas a designam.
A nostalgia de um regime de que todos fomos vítimas é uma
injustiça para os pais que aqui ficaram na ânsia do nosso regresso, para nós
próprios que continuamos a sangrar e nos esquecemos de quem nos feriu.
Ao longo da vida, durante os 52 anos do regresso, depois de
quatro anos e quatro dias de tropa, incluindo os longos e dolorosos 26 meses em
Moçambique, sempre em zona de guerra, habituei-me a ver soldados a caminho de
Fátima, com camuflados delidos na guerra, em peregrinações onde 7481 mortos,
1852 amputados e 220 paraplégicos já não poderiam ir.
Foi a fé na Senhora de Fátima, onde vão cada vez menos,
chamados uns pelo seu divino filho e minguando a outros as forças para longas
caminhadas, que levou muitos a não se interrogarem sobre os algozes que a todos
nos fizeram vítimas e deixaram cicatrizes que nos acompanham em cada dia de
vida, até ao último.
Revoltou-me ver o defensor do fascismo a receber um símbolo
do sofrimento da minha geração, o fato que albergava a angústia, a saudade e o
medo, o tecido que se confundia com a vegetação, aquele pedaço por onde
passaram balas e estilhaços de granadas que fizeram mortos, feridos e estropiados
em Angola, Moçambique e Guiné.
Os camaradas que recusam aceitar que a ditadura perdeu a
guerra, e com ela se perdeu, pareciam escravos a oferecer os pulsos às
grilhetas do amo. E este, na cobardia de quem despreza a carne para canhão,
enfeitou-se com o símbolo do ódio e da revolta dos que o salazarismo mandou
para o martírio. Hoje é ele o verme que recebe a herança fascista.
«Ave Imperator, morituri te salutant». “Os que estão para
morrer, saúdam-te”, pareciam dizer ao líder fascista os vetustos gladiadores, num
gesto gratuito e ofensivo, à espera de um combate, onde, outra vez, estão do
lado errado, onde as vítimas vitoriam os algozes.
Obrigado, capitães de Abril. Fascismo, nunca mais!
Comentários
Ventura afaga o ego ferido daqueles que pensam que na verdade foram vítimas de uma traição. É humano que eles assim respondam, o que é absolutamente nojento é que este indivíduo se aproveite do sacrifício alheio para com isso ganhar uns quantos votos.
Aqueles que eram politizados (ou que mais tarde o foram) são capazes de entender a natureza do tal regime que Rui Rio diz que não era fascista. Os simples soldados, alguns dos quais pela primeira vez saíram da sua terra para ir combater além-mar, esperam um simples reconhecimento, sendo que este senhor parece ser o único que lhes o dá...
Estou de acordo consigo.
CE