Texto de Onofre Varela - Vice-presidente da AAP

 Sobre a Morte e a Eternidade

Faleceu há dias, inesperadamente, um amigo de longa data. Não tinha doença visível e nada indiciava o findar abrupto daquela vida dedicada ao ensino e à arte de pintar, quando contava pouco mais de 60 anos de vida.

Embora eu seja ateu... não sou alérgico!... Costumo assistir às cerimónias fúnebres, não só pelo respeito ao falecido, mas também pelo respeito devido às exéquias que têm sempre uma carga, não só religiosa, mas também emocional e social. Considero-as um lado positivo das práticas religiosas, pela paz de espírito que transmitem aos familiares e amigos do falecido, no sempre difícil cumprimento do luto, quando estes são crentes. 

A morte de quem amamos é uma perda insubstituível e é, sempre, uma injustiça para quem fica a sofrer a dor da separação irremediável de quem tanto amamos. Fazer o luto para que possamos encarar a vida sem a pessoa que perdemos, é a principal função da cerimónia fúnebre religiosa. Para os crentes, a ideia de que o nosso familiar, ou amigo, não morreu e continua vivo numa outra forma de vida, eterna, que lhe é preparada e garantida no céu junto à divindade em que se crê, é, de facto, um consolo para quem tem na crença o seu suporte de vida. 

Embora a crença não configure nada de verdadeiramente real fora dela, consola o espírito (a mente) de quem crê. Este é o lado positivo das religiões, no apaziguamento do nosso ânimo na perda. Para lá da crença, porém, é bom que tenhamos bem presente a realidade das coisas naturais, e o fim do ciclo que a vida é, tendo o seu ponto final na irremediável morte. Ciclo que no reino vegetal é sazonalmente renovável até ao definitivo fim da árvore. Todas as Primaveras nos mostram a ressurreição da vida, cuja morte o Outono anuncia e o Inverno confirma. 

Mas no reino animal, ao qual indubitavelmente pertencemos (por muito que a fé dos religiosos afirmadores da Criação, garantam a nossa origem divina separada da Natureza), o ciclo da vida não tem intermitências como no reino vegetal, e não há ressurreição, renovação da vida após a morte. Não há Primavera para os homens de Outono anunciado e Inverno chegado. O prazo de validade de um animal, seja humano ou besta, está registado nos genes, ninguém lhe foge, e não é renovável anualmente como é o ciclo de uma macieira que “morre” no Outono e “ressuscita” na Primavera... se, entretanto, um machado não lhe decepar o tronco!... 

A consciência de um ateu é balizada por esta ordem natural que diz ser a morte irremediável e perene... mas encarando, sempre com alegria, o usufruto da vida que merece, e deve, ser vivida em paz e harmonia, e com “espírito de missão” na construção da sociedade. 

A vida de quem morre é como a chama da vela que consumiu a estearina até ao fim e não tem mais matéria combustível para que possa continuar a arder. Extinta a chama, ela não se traslada para outro lugar. Apagou. Morreu irremediavelmente. Nós, seres humanos, temos um cérebro maravilhoso... ele é um verdadeiro manual de instruções para todas as ocasiões. Por isso idealizamos, para nosso consolo, que a morte não tem fim, sobrepondo-se-lhe a eternidade! 

Mas a eternidade só é real na História. Na nossa memória. Depois da minha morte eu continuarei vivo na memória de quem me recorda. Quando morrer a última pessoa que tem memória de mim... aí acontecerá a minha segunda e derradeira morte. Conseguirei a "eternidade" se os factos que fizeram a minha vida estiverem registados em documentos para memória futura... mas mesmo essa "eternidade" só o será para um ou outro estudioso de biografias... e também terá o seu fim.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 


OV

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