Texto de ONOFRE VARELA

 Honestidade religiosa

Enquanto ateu obrigo-me a conhecer o fenómeno religioso para me permitir criticar, concordar ou discordar, com aquilo, e daquilo, que à Religião pertence. Por isso sou leitor habitual de livros, notícias e artigos religiosos, científicos ou filosóficos que tratam do tema Religião (e também ouço missas… embora cada vez menos, porque me aborrecem cada vez mais). Nas edições de Domingo do jornal Público, leio, atentamente, os textos que Frei Bento Domingues escreve em favor da Religião, da fé e da crença, os quais considero muito interessantes, notando neles muito mais o estudioso honesto e o Homem Ético que Bento Domingues é, do que, somente, o religioso. E nunca neles detectei qualquer traço daquele fundamentalismo que, muitas vezes, contamina o discurso de outros religiosos.

No seu artigo intitulado “Não invocar o nome de Deus em vão” (publicado há meia dúzia de anos: 20/11/2016), Bento Domingues diz que, apesar das intenções carregadas de humanidade do papa Francisco, o fundamentalismo religioso, mesmo no seio da Igreja Católica, não desarma. E aponta vários exemplos negativos: os panfletos de uma folha dominical de uma paróquia da Califórnia que sentenciava, “votar no Partido Democrata é um pecado mortal”, numa clara declaração de apoio ao candidato Trump; um padre italiano que, aos microfones da emissora católica Rádio Maria, afirmou serem “os sismos, em Itália, um castigo divino pelas uniões civis de homossexuais”; e acaba com o infeliz comentário da psicóloga portuguesa Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, à revista Família Cristã, que declarou esta enormidade: “ter um filho homossexual, é como ter um filho toxicodependente”.

Afirmações deste género mostram que quem as profere não conta com um nível de inteligência razoável por ter o cérebro tomado pela crença em dose excessiva. E essa é a pior forma de se ser religioso, pois impede que o crente tenha um raciocínio verdadeiramente inteligente e, principalmente, livre de preconceitos... é que a religiosidade é como o vinho: em dose excessiva embebeda!... 

Na sua habitual eloquência e honestidade intelectual, o articulista Frei Bento Domingues diz que “Deus é inexprimível: nós não sabemos o que é Deus em si mesmo; dele captamos, apenas, um esplendor fraco através do mundo criado e no decurso da nossa história do mundo, história feita de acontecimentos felizes e de tragédias. Não é só o Deus incognoscível, mas também as expressões ou os dogmas sobre Deus que pertencem, à sua maneira, ao objecto da fé [] A auto-revelação de Deus é dada em experiências humanas interpretadas [A Bíblia não é a palavra de Deus, mas um conjunto de testemunhos de fé de crentes que se situam numa tradição particular da experiência religiosa”. 

Esta honestidade de um religioso interessado pela História Antropológica que estuda as motivações religiosas a partir do conhecimento das atitudes humanas perante o conceito da divindade, deveria ser exemplo a levar em linha de conta por aqueles que, possuindo estudos académicos de nível superior (padres, médicos, economistas...) se permitem afirmar falsidades (ou idiotices), tentando passá-las à comunidade religiosa como coisas sérias e verdadeiras.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Comentários

Monteiro disse…
Falar da honestidade intelectual de um frade interessado pela história da divindade, que é disso que se trata, é como criar os fundamentos que vêm a seguir e para onde converge o interesse em criar e desenvolver uma Universidade Católica como apogeu da miséria intelectual. Nunca a honestidade intelectual esteve tão próxima da miséria intelectual como na busca dessa história. Não se trata de aperfeiçoar a religião mas sim de acabar com ela, coisa em que para muitos militantes ateus se revela muito difícil porque estão longe de compreender a História e o Materialismo Dialético e por isso são arrastados para a Metafisica, qual armadilha perniciosa. Sem Darwin ainda hoje não entendíamos a teoria da evolução assim como sem Marx ainda hoje não entenderíamos que o capitalismo é um fenómeno em desenvolvimento que cria as suas próprias leis com que vai oprimindo o Homem como se a Liberdade não fosse uma forma muito mais profunda do que aquela a que os liberais aspiram e que se resume a uma expressão da vontade que nos conduz quase sempre diretamente à religião e aos códigos sociais e que está sempre condicionada à necessidade de que se tomou consciência como Spinoza pela primeira vez o fez, caracterizou e definiu. Os sacerdotes são remunerados por uma prática que não é nem produto nem mercadoria. Eles têm absoluta necessidade de ouvir as pessoas dizerem que acreditam naquilo que eles contam ou que leem como forma de justificar o pão que comem e que tanto dinheiro dá a ganhar a milhares de pessoas espalhadas pelo mundo e que não fazem nada de produtivo antes colaboram com as forças que exploram e que reduzem os homens à sua mais frágil condição que são os proletários, classe fundamental da sociedade capitalista. Sempre digo que não passo de um proletário e como eles muita ferrugem apanhei e muita serradura engoli e muitos religiosos envergonhados ajudei a dar o salto mental.
Jaime Santos disse…
O Monteiro esquece-se que é a pequena liberdade dos liberais (palavras suas) que lhe permite escrever o que escreve. Já as amplas Liberdades, essas deram-nos os julgamentos de Moscovo, o Gulag, pacto germano-soviético, a repressão da revolta popular em Berlim Leste, as invasões da Hungria, Checoslováquia e Afeganistão, assim como penúria, destruição ambiental e despotismo q.b. e etc, etc. A análise que Marx faz ao capitalismo vale a pena ser lida, até o Economist o diz, a sua alternativa é que é um desastre.

Por isso, mal por mal, para religiões eu prefiro mesmo as não-laicas, onde entre as laicas incluo o comunismo, o fascismo, o nacionalismo e mais umas quantas que nos obrigam a abdicar dessa pequena liberdade que é dizer que 2+2=4, em nome dos amanhãs que cantam (dizem vocês porque na verdade no fim de contas tudo o que foram capazes de parir foram ruínas)...
Monteiro disse…
O Sr. Dr. Jaime Santos é que me pode ajudar a entender o repto ou enigma lançado por Ricardo Araújo Pereira e que consta assim:

- É um partido que é contra falcatruas, excepto as do Vieira.

- Contra familiares na política, excepto os dele.

- Contra pedófilos, excepto os da Igreja.

Muito agradecido.

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