A GUERRA
É preciso ser demasiado ingénuo ou excessivamente cínico para imaginar que o nível de vida dos europeus se manterá durante e depois da guerra que a Rússia trava com a Nato, na Ucrânia, agora com apoio explícito da UE e dificuldades crescentes da Rússia.
Só o delírio de quem duvida das alterações climáticas e ignora
as catástrofes que, ano após ano, aumentam a frequência, duração e intensidade,
pode levar a acreditar que as economias europeias vão resistir aos aumentos
brutais da energia e de bens essenciais de cuja importação dependem.
A exaltação de quem pensou ter encontrado uma causa nobre,
por que valia a pena lutar, impediu de prever que as sanções europeias à Rússia
e as contrassanções desta à Europa destruiriam as economias de ambas e levariam
o caos e o desespero aos seus países, e o colossal sacrifício de vidas aos
ucranianos e russos. A inflação galopante, a subida dos juros e a escassez de
bens essenciais são o ónus que, independentemente da bondade ou leveza das
decisões tomadas, todos pagaremos, com especial sofrimento dos países e das
pessoas mais pobres.
Surpreende que os que mais demonizaram a Rússia não tenham
ponderado a loucura de quem é capaz de recorrer à chantagem nuclear e, quiçá, à
utilização desesperada do seu último recurso. Há quem prefira a guerra à paz, com
o risco nuclear a agravar-se. Não se pode ver a supremacia ucraniana na vontade
de combater como uma vitória, pois o risco de um ato desesperado da Rússia
agrava o perigo para a Humanidade.
Há quem acredite que a Rússia bombardeia as suas próprias
tropas na central nuclear de Zaporizhzhia. A censura e a propaganda são armas
poderosas de que não prescindem as partes em conflito, seja qual for a guerra,
quaisquer que sejam os beligerantes.
Perigoso é ignorar esta verdade, tautologicamente demonstrada
ao longo dos tempos e, hoje, com meios nunca antes disponíveis. Perante a
incúria coletiva para procurar fontes de informação alternativa, criam-se
entusiasmos com as primeiras verdades perfilhadas, que conduzem à divulgação
acrítica e, em muitos casos, à negação dos factos e à recusa obstinada dos
argumentos que as contrariem.
É este o ambiente propício às verdades únicas, à
intolerância e ao maniqueísmo numa deriva que cria o húmus onde medram os
totalitarismos, não faltando censores e bufos voluntários para a sua defesa. O
medo está a encostar os europeus à extrema-direita.
Julgando defender a liberdade, movidos por entusiasmos
solidários, podemos tornar-nos cúmplices da repetição de regimes autoritários
que, no passado, combatemos. Em nome do humanismo reabilitamos uns e execramos
outros, capazes de escolher, entre crápulas, os heróis e os vilões, os anjos e
os demónios, os amigos e os inimigos, exonerando todas as dúvidas e recusando os
factos que, por mais evidentes que sejam, nos contrariem.
Imagina-se a felicidade de quem acredita sem ver e a dilaceração
de quem se interroga, sabendo-se que é feliz quem tem certezas e se angustia
quem carrega dúvidas.
Para defesa das ditaduras bastavam os que sempre as apoiaram, e as ditaduras são mais baratas do que as democracias.
Ponte Europa / Sorumbático
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