O funeral da rainha Isabel II e Dom Marcelo, PR português
Após onze dias de defunção itinerante, os figurantes que a homenagearam regressaram a casa. Dois cães e um pónei reais, uma centena de chefes de Estado e jornalistas da RTP, regressaram, respetivamente, ao canil, à estrebaria, aos palácios e às casas de aluguer de adereços para devolverem as gravatas pretas.
Foi um funeral com a presença de 2 mil convidados, mais do
que uma boda excêntrica, centenas de milhares de súbditos nas ruas e muitos milhões
de compungidos em frente das televisões, por todo o mundo, mimeticamente
pesarosos pelo passamento da rainha.
Foi pesada a pegada ecológica das altas personalidades que
disputaram espaço aos gatos pingados da agência funerária real inglesa, ao
nível da poluição visual e sonora com que se quis branquear a monarquia e o defunto
império britânico.
Na mórbida subserviência ao império, que sobrevive na cabeça
da família real, lordes e fidalgos descendentes de piratas, o PR português
descobriu uma dívida de gratidão pela independência de Portugal, sem explicar
se se referia à remota batalha de Aljubarrota, ao ruinoso Tratado de Methuen, ao
general liberal Gomes Freire de Andrade enforcado sob tutela britânica, assim
como outros liberais, ao protetorado sob a chefia de William Beresford, regente
de facto da monarquia portuguesa, a que a revolução liberal de 1820 pôs termo, ou
ao Ultimato.
E apoiou os três dias de luto oficial decretados por
Portugal, tantos como os dedicados a Mário Soares e Jorge Sampaio, sem que o
Governo de Sua Majestade tivesse decretado um só dia pelo falecimento dos
referidos presidentes portugueses.
A rainha recolheu finalmente à sepultura, depois de
pragmaticamente aliviada das joias com que viajou no ataúde, deixando o decorativo
e rentável lugar ao filho mais velho.
O espetáculo fúnebre esgotou-se. Os ingleses foram capazes
de o manter em cena onze dias. E só Marcelo se lembraria de transformar as
feridas em bálsamo.
O PR português regressou a Lisboa para assinar o expediente,
dar uma aula a alunos do ensino secundário, convenientemente transmitida e
comentada pelas televisões, antes de partir para os EUA.
Trouxe-me à memória este poema de Bertolt Brecht:
«Se este homem insubstituível franze o sobrolho
Dois reinos estremecem
Se este homem insubstituível morre
O mundo inteiro se aflige como a mãe sem leite para o filho
Se este homem insubstituível ressuscitasse ao oitavo dia
Não acharia em todo o império uma vaga de porteiro.»
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