A imigração vinda do Magrebe – Escrevi este texto em 17 de agosto de 2014.
«A imigração vinda do Magrebe – Escrevi este texto em 17 de agosto de 2014.
«Vêm do lado de lá do lago que une a África e a Europa e
separa europeus e africanos. Chegam do corno de África, das savanas
improdutivas e sobretudo fugidos das areias que os empurram em busca de água e
alimentos, das areias que lhes cobrem as magras pastagens e desertificam o
habitat. Uns cruzaram o continente, outros abalaram de mais perto, com a
família a ser pasto de corvos depois de esquartejada à catanada a mando de
senhores tribais.
Fogem das guerras que os dizimam, das epidemias que os
procuram e da fome que vive com eles. São párias da terra, nascidos do instinto
e destinados a morrer crianças, numa perpetuação de velhas escravaturas e novas
tragédias, onde poucos se tornam adultos e raros se libertam das grilhetas.
Morrem porque não deviam ter nascido ali, por fazerem rituais diferentes ou
porque há sítios onde não se pode nascer.
Há mães que deixam para trás os filhos que já não aguentam a
caminhada, pasto de aves necrófagas, desoladas por não poderem morrer com os
que ficam, na ânsia de salvarem os que sobram.
Chegam às praias do Mediterrâneo e entregam os pertences a
quem promete que os leva à Europa ou deixa morrer na água, entre naufrágios e
esperança, em busca de migalhas do pão que não tiveram. Despedem-se as
famílias, sufocados os que soçobram à vista dos que receiam o mesmo destino. Se
há lágrimas, misturam-se na água que é mortalha; se há gritos, abafa-os o
marulhar das ondas; se há esperança, termina no último balanço da frágil
embarcação de onde já saíram os que não tiveram a quem se agarrar.
Alguns chegam, a vida é feita de milagres, famélicos, nos
trapos molhados que enrolam corpos lívidos, salvos pela guarda costeira de
países ribeirinhos ou chegados com vida a uma praia italiana, a nado,
sobreviventes do naufrágio ou rasgados nas rochas da costa.
Outros chegam ocultos nos porões dos barcos de carga,
desidratados e em hipotermia, misturados com os que morreram, as fezes de todos
e o oxigénio a esgotar-se. Muitos já chegam cadáveres em contentores por abrir
de veículos que os condutores abandonaram ou de que os donos se
desinteressaram.
Na pungência dos dramas cresce a indiferença e medra a
insensibilidade, até ao dia em que serem
os nós a beber a cicuta que nos liberte
da prisão da vida, destas vidas de quem nasce no tempo e sítio errados.
E nós, europeus, estamos a fazer de um bom sítio o local
falhado do futuro.»
Este texto podia ter sido incluído no meu último livro de
crónicas, ANCORADOURO – à venda nas livrarias. Fica para o próximo.

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