Salazar e a cadeira – Forte de santo António, em 3 de agosto de 1968

(Homenagem a uma cadeira – 57.º aniversário do seu passamento)

Por ironia do destino, a velha cadeira, interpretando os ventos da história e o sentir dos portugueses, depois de aguentar longos anos o lento corroer do caruncho, não suportou mais a infâmia de se ver calcada pelo eterno ditador e desfez-se num derradeiro ato de dignidade, em patriótico haraquíri e abnegada dádiva ao país que a ignorava.

Aguentou paciente, várias décadas, o lento desgaste a que o xilófago inseto a sujeitou. Sentiu o interior reduzir-se a pó e esperou que o sinistro ditador deixasse cair o corpo com a displicência com que a Pide tratava a liberdade e os direitos humanos. Viu o pulha chegar, sentiu o odor do velhaco e a raiva de quem tantas vezes suportou o biltre.

E, quando o corpo do miserável se preparava para relaxar, a cadeira, ciente do serviço que na sua decrepitude podia prestar, não hesitou, desconjuntou-se num ápice e arrastou com ela o algoz. Este nunca se recompôs e a cadeira ficou como símbolo heroico de um ato que os portugueses deviam e não puderam praticar.

Nunca tantos deveram tanto a uma cadeira. À falta da venera que merecia, fica aqui esta homenagem que um eterno admirador partilha com os seus leitores. Bendita cadeira!


Comentários

Manuel M Pinto disse…
Entre as brumas da memória:
"03.08.1968 – and Pardon my French"
https://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2025/08/03081968-and-pardon-my-french.html
https://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com Só lá cheguei com este link.

Mensagens populares deste blogue

Coimbra - Igreja de Santa Cruz, 11-04-2017

HUMOR – Frases de AMÉRICO TOMÁS, um troglodita que julgávamos não ter rival