Colômbia: Discorrendo entre a velhacaria e a ‘libertinagem’ de dançar…

Foto desfocada da 'dança' que 'invadiu' as redes sociais

Ontem, foi noticiado que um militar português, integrado nas forças da ONU, em missão de paz, na Columbia, dançou durante as comemorações do fim-de-ano, com uma guerrilheira das FARC link.
 
Ao que parece a caserna não gostou da convivialidade dançante e vai daí decidiu repatriar o militar. O chefe da missão da ONU em Bogotá, declarou que “este comportamento é inadequado e não reflete os valores de profissionalismo e de imparcialidade das Nações Unidas”.
 
Ora bem, muitos portugueses encaram estas missões de paz como ações de aproximação e convívio com as populações. Nesse caso, bailar, é um dos exemplos físicos de proximidade que é usual praticar-se para distender tensões, como foram, em 1971, os jogos de pingue-pongue, na aproximação dos EUA com a China. Dançar seria, neste contexto gradativo, a antecâmara da confiança da ‘quebra do gelo’ que poderá ensombrar, durante largo tempo, a integração e reconciliação.
 
O contexto em que este facto ocorreu enquadra-se num cerimonial festivo do fim-de-ano, revestido da exuberância natural de uma recôndita aldeia da Columbia, onde pouco ou nada de entretinimento sucede, e os passos de dança ocorreram, segundo se depreende dos relatos mediáticos, a solicitação da população local.
A distinção entre a população local (os habitantes da localidade) e os ex-combatentes (do passado, podemos dizer) é acima de tudo um preconceito por parte daqueles que não aceitam um processo de pacificação da sociedade colombiana depois de mais de 50 anos de luta.
De facto, na Colômbia existem resistências internas ao processo de pacificação em curso. Uribe e a sua clique conservadora não se cansa de tentar criar incidentes e alimentar desconfiança.
 
A mulher em questão que lhe apeteceu dançar está legalmente integrada e é, em primeiro lugar, vitima de uma discriminação artificial e abusiva. Hoje (e daqui para a frente) todos são colombianos. Embora os Parlamento colombiano tenha decretado a 30.11.2016 um vasto acordo de Paz link, foram estabelecidos passos efetivos que compreendem um processo de integração, com ‘zonas de transição’ para entrega das armas, como prevê o acordo. Duas palavras definem o medo que se apossou dos eleitores no referendo: Terra e Narcotráfico.
Todavia, a solução de este histórico diferendo é iminentemente política e social e não está ao alcance das forças de Paz da ONU.
 
Esta não é a primeira trégua estabelecida entre as FARC e o Governo da Colômbia. Em 1984 foi estabelecido um acordo de Paz com o então presidente Belisario Bitancourt. As FARC transformaram-se no partido União Patriótica (UP) e concorreram às eleições legislativas. Elegeram 14 deputados e resolvem apresentar um candidato presidencial (Jaime Pardo). Este é assassinado pela extrema-direita e, de seguida, começou a extermínio dos dirigentes da UP. Foi um verdadeiro massacre a somar a tantos outros (oriundos todos os lados e facões da luta armada) que perturbaram (traumatizaram) a sociedade colombiana.
 
O militar português nas festividades de Ano Novo não dançou com uma Kalashnikov, nem rodopiou abraçado a uma bazuca.
Para sermos concisos e rigorosos seria melhor dizer que um militar português, durante as festividades do Ano Novo, aceitou dançar com uma colombiana. Que, segundo tudo indica, terá passado grande parte da vida privada do ocioso divertimento de ‘bailar’.
 
O excesso de zelo do comando das forças de Paz da ONU na Colômbia, em manifesto contraste com outros procedimentos protagonizados por missões onde violações ficaram encobertas ou relativamente impunes por detrás de inacabados inquéritos (Gabão e Burundi, por exemplo) mostram que estaremos muito perto de um púdica velhacaria. O chefe da missão da ONU, Jean Arnault, é um homem experiente em missões internacionais, tendo inclusive sido chefe da delegação do ONU no Burundi (2000-2001).
O que espanta é sendo J. Arnault um filósofo de formação (e não propriamente um produto da caserna) tenha a cabeça povoada de tantos pudores e muitos fantasmas.
 
O militar português foi o dançarino visível e animado mas falta identificar o velhaco que na sombra lhe vigiava os passos e quis entender que o luso bailarino tinha perdido a verticalidade.
Para ilustrar a minha indignação transcrevo uma excelente poesia sobre ‘O Baile’ da autoria de Natércia Freire, poetisa que, depois do 25 de abril, foi ostracizada e que David Mourão Ferreira revelou aos portugueses.

O Baile

Névoa em surdina
A sombra que acompanha
As finas pernas a dançar na tarde.
Jogo de jovens corpos.
Música de montanha,
Num tempo teu e meu
De eternidade.
E eu, as duas estranhas.
….

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