Fernando Leal da Costa: do que – por enquanto - nos livramos…

Fernando Leal da Costa foi secretário de Estado (da Saúde) durante o Governo de Passos Coelho / Paulo Portas e nessas funções ‘ajudante’ do ministro Paulo Macedo. Mais tarde - depois das eleições de Outubro 2015 - foi nomeado, meteoricamente, para o cargo de Ministro da Saúde no XX Governo Constitucional, erguido pelas ardilosas mãos de Cavaco Silva e cujo destino é conhecido dos portugueses.
 
Os seus desempenhos no cargo ministerial salientam-se duas vertentes:
1.) a brevidade da permanência pelo que as suas funções (felizmente) não ultrapassaram a ginga jonga de um exercício de ressabiamento cavaquista e uma leitura enviesada de históricas prerrogativas á volta do ‘arco da governação’;
2.) a exibição de uma canina fidelidade a Passos Coelho, mesmo quando o destino do ex-dirigente do PSD, como líder de um governo minoritário saído das eleições,  era evidente e estavam no horizonte novas soluções políticas.
 
Da mistura destas duas vertentes evidencia-se uma personagem que tendo começado na política desde os velhos tempos de Durão Barroso (em 2002, na DGS sob a tutela de Luís Filipe Pereira) e, mais recentemente, convidado para integrar o recôndito grupo de conselheiros da entourage cavaquista. Viria, após uma incursão recheada de incidentes pelo XIX Governo Constitucional e a meteórica passagem por Ministro, regressar ao exercício da Medicina e acumular um convite à docência (Escola nacional de Saúde Pública).
 
Depois do aparecimento do periódico digital ‘Observador’ tornou-se um dos ‘comentadores orgânicos’ na área da Saúde revelando-se um fiel serventuário de uma Direita neoliberal, saudoso de um ultrapassado ‘passismo’ incapaz de digerir os resultados das Legislativas de 2015 e continuando a viver à volta de uma leitura imediatista dos números (relativos) e ‘sonhar’ com um novo ‘assalto ao pote’ (como fez em 2011).
 
Um dos seus últimos comentários no Observador  “Querem acabar com a geringonça…” link deve ser lido – não é essencial - com alguma atenção (precaução), discernimento e, sobretudo, tolerância e paciência.
 
Há no extenso comentário que tece sobre ‘estratégia anti-geringonça’, e retomando o velho estilo cavaquista, uma atribulada fuga das opções políticas (que tem tomado e exibido) para refugiar-se num etéreo e volátil estatuto de cidadão livre e ‘independente’. Dentro dessa angustiante deriva nasce-lhe o seguinte dilema: “Para já, não sei o que é ser de direita em Portugal.” Não será difícil para o comentador resolver este conflito: - basta olhar-se ao espelho.
 
Mas a especulação não fica por aqui. Adiante resolve introduzir uma outra asserção: “Quem não for comunista ou socialista – coisa que também carece de definição – tem de ser da direita?”. Para além de uma indigente indefinição ideológica, baseada numa interpretação pessoal e utilitária das dúvidas cartesianas, o comentador resolveu inverter o ónus da questão.
O indeciso comentador que tem quase 60 anos e se for rebuscar a sua memória juvenil encontrará este tipo de argumentação que foi usada à ultrance no Estado Novo. Como se recordará, nesses tempos, quem não fosse ‘situacionista’ era, de imediato, catalogado como um perigoso comunista ou socialista. Trata-se do mesmo estilo de raciocínio com uma substancial diferença: no fascismo esta ‘constatação’ tinha consequências e originou presos, deportados, excluídos, saneados, etc.. Coisa de que Fernando Leal da Costa apesar das suas errâncias e jactâncias antissocialistas e anticomunistas, não se pode queixar.
 
Mas o mais relevante desse comentário é que o seu autor vai desfiando pormenores que são essenciais para compreendermos a razão para os portugueses suspirarem de alívio. Com a ‘geringonça’ ficamos livres de um ministro apostado em torpedear o SNS até à sua total perversão (extinção).
Quando se interroga: “É de direita quem aceitar o papel do setor privado e social no sistema de saúde?”. A resposta é - categoricamente - sim.
 
O malabarismo retórico está na palavra ‘aceitar’ para chegar a outras águas. A Esquerda (que existe embora o comentador não goste) aceita o papel complementar – supletivo – do sector privado e social no SNS. A diferença é que a Esquerda defende um SNS (Serviço Nacional de Saúde) público, equitativo e universal, enquanto a Direita aposta num sistema de saúde liberal (o cavalo de batalha é a ‘livre escolha’), alinhado pelos ditames da concorrência, pouco ou nada regulado e subsidiário de um ‘mercado da saúde’ ou, mais escandalosamente, da doença.
O que a Esquerda não pode nem deve fazer é confundir complementaridade com competitividade (por mais cara que esta noção seja aos neoliberais).
 
Aliás, no arrazoado que debita acaba por explicitar, mais à frente, o que pensa da Direita – onde se integra – e que começa antecipadamente por negar: “Sejamos claros. Não há direita com expressão política em Portugal. Dizer-se nacionalista e rapar o cabelo não é personificar a direita. Direita com eliminação de serviços públicos, escalões regressivos no IRS, verdadeiro proteccionismo económico e exacerbação securitária não tem quem a represente em Portugallink.
É conhecida a apetência da Direita para ser apresentar acima (fora) do dualismo político clássico oriundo da Revolução Francesa. A experiência mostra-nos que todos aqueles que apregoam ‘não ser de Esquerda nem de Direita’ são absolutamente de Direita. Existem contudo nuances tanto daqueles que abominam este referencial clarificador de posições cívicas e políticas como de outros que resumem a política à estabilidade e ao pragmatismo (instrumentos de governação não ideológicos).
 
Este epiteto – nem de Esquerda nem de Direita - quando oriundo da Esquerda interessada em renegar o seu passado de luta de classes está subjacente a uma 3ª. via que proliferou à volta do socialismo-liberal (Tony Blair) e teve muitos incautos seguidores.
 
Por outro lado, a Direita ultraconservadora, radical, autocrática e quase sempre nacionalista com a queda do muro de Berlim perde o seu direto ‘adversário ideológico’ e paralelamente à perda da sua referenciação histórica pretendeu criar um sistema político aparentemente fora das balizas de Esquerda e de Direita, alimentando a ilusão oriunda da Escola de Chicago do ‘não há alternativa’ (aos ‘mercados livres’) e cujas eminências pardas foram Reagan e Thatcher . É neste rincão demoliberal que deambulam os falsos arautos do: - ‘nem de Esquerda, nem de Direita’.
 
No meio deste caldo o denominado ‘’Centro” não passa de uma bissetriz, isto é, de uma geometria à volta de indefinições políticas e programática misturada com laivos eleitoralistas e personalistas (o novo partido ‘Aliança’ de PSL é um acabado exemplo desta situação).

Todas estas derivas escondem uma opção envergonhada pelo neoliberalismo, situação definidora que pretendem camuflar à volta de uma, também, aparente ‘moderação’.
Aqui, neste nebuloso campo da indefinição (do não ser carne nem peixe), acoitam-se oriundos quer da Esquerda e quer da Direita e é deste modo que temos as frequentemente utilizadas designações de Centro-Esquerda e Centro-Direita.
Quando Fernando Leal da Costa afirma estar “… afastado, cada vez mais longe da política que envolve partidos” é neste atoleiro que se afunda e pretende apresentar-se como limpo de 'pecados veniais'...
 
Em relação a Fernando Leal da Costa o que se evidencia é o facto de nos termos livrado de um paladino da tal Direita com um obscuro programa de “eliminação de serviços públicos” (como escreve no seu comentário).
Todavia, antes de regressar a um limbo político-partidário que nunca enjeitou mas que agora quer distanciar-se teve o desplante de aceitar liderar um ministério que, de alto a baixo (constitucionalmente), está condicionado e responsável pela gestão e operacionalidade de um gigantesco serviço público (SNS). Isto é, livramo-nos de colocar uma raposa a guardar o galinheiro.
 
 
Adenda:
 
O Dr. Fernando Leal da Costa liberto das funções governativas terá acabado por assumir o cargo de administrador de um grupo de clinicas privadas (Walkin Clinics), do grupo Alexandre Soares dos Santos link, situação coerente com a sua posição ideológica mas que, provavelmente, evitará mencionar nos curricula que costuma divulgar.

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