Miguel Relvas e um erro de paralaxe sem pitada de 'histórico'...


O Governo pretende rever o mapa autárquico desenhado pela equipa de Miguel Relvas no XIX Governo Constitucional (Passos Coelho/Paulo Portas).

O ex-ministro caído em desgraça mas aparentemente já refeito das suas inconformidades académicas e tendo ganho uma nova ‘força anímica’ considera que mexer na sua pretensa reforma executada em condições aviltantes, i. e., imposta pela Troika decide ignorar a história para  classificar  a nova proposta de revisão do mapa de freguesias (discricionariamente imposto num passado recente) como sendo: ‘um erro histórico’! link.
 
Um ‘erro histórico’ será, antes de tudo, adulterar ou ‘branquear’ todo processo decisório que teve lugar há 5 anos e ocultar as circunstâncias que o ditaram. Em 2013 – e Miguel Relvas deve recordar-se bem disso – essa pretensa reforma foi decidida de afogadilho e contra a opinião generalizada das freguesias e respetivas estruturas e associações locais, entre elas a ANAFRE.
 
Interessaria inquirir sobre o leitmotiv que empurrou (e apressou) o governo de então para proceder a essas alterações. Em resumo: proceder ao saneamento das finanças locais, implementar a ‘lei dos compromissos’, reduzir custos administrativos às cegas, diminuir o ‘volume’ de cargos dirigentes, entre outros propósitos, preceitos ditados pela Troika dentro da tradicional óptica neoliberal de ‘menos Estado’ e (muito) mais ‘mercado’.
 
A extinção de 1.165 freguesias (num universo de 4.259) foi mais uma tumultuosa rendição a questões de cariz orçamental do que uma reforma que tivesse em consideração o ordenamento territorial e administrativo. Aliás, a Troika terá chegado mesmo a sugerir a pura falência de algumas estruturas autárquicas, em nome da boa gestão (mercantilista) e da ‘viabilidade financeira’ (à boa maneira de Detroit) e essa pretensão (a acreditar na verve de Relvas) teve defensores no governo de Passos Coelho link.
 
Por outro lado, essa enviesada alteração do mapa de freguesias é feita à custa de ignorar o problema de fundo (fragmentação concelhia e proliferação de municípios) porque, os resultados das eleições municipais, em 2013, foram francamente desfavoráveis à coligação de Direita, então no poder, o que tornou a Associação Nacional dos Municípios (ANMP) um sério obstáculo á prossecução destas ‘liberalidades contabilistas’.
Mais, qualquer reforma a este nível pressupõe o revisitar da Lei de Bases do Ordenamento do Território (e Urbanismo) – Lei 48/98 link – que, tendo já sofrido sofreu várias emendas, permanece fiel às condições objetivas do território e, mais importante, da sua população, verificadas no final do século XX (não exatamente as mesmas da atualidade).
Um dos objetivos principais dessa Lei seria a: “melhoria das condições de vida e de trabalho das populações, no respeito pelos valores culturais, ambientais e paisagísticos” [Art. 6º, 1. alinea a)]. O resultado está à vista: a intensificação das assimetrias regionais e locais.
 
As freguesias são comunidades muito diferenciadas e específicas social e culturalmente com um património humano, monumental e paisagístico associado, estando muito para além do relativo peso demográfico de um determinado momento ou de uma real (ou potencial) capacidade económica aí instalada. Isto é, são realidades muito complexas, distintas quer se trate de aglomerados rurais ou urbanos, difíceis de trabalhar nos recônditos gabinetes de Lisboa.
 
A pretensa 'reforma Relvas' não tomou em consideração estes parâmetros porque foi uma encomenda ideologicamente confinada a questões orçamentais e realizada a 'retalho'. Daí o alarido que se levantou e que envolveu os órgãos locais (de poder, partidários, sociais, culturais, associativos e recreativos).
 
Uma ‘contra-reforma’ impõe-se mas deverá ser feita com equilíbrio democrático, com sensatez e deve responder a questões concretas que se levantam no presente e se projetam para o futuro.
Somos um povo coeso mas distribuído por uma grande diversidade de ambientes, de infraestruturas (educativas, saúde, militares, etc.), tradições e costumes, isto é, com longo 'lastro histórico', espalhado (assimetricamente) pelo território, com muitas especificidades e particularidades. Sofremos no passado influências de múltiplas e diversas matrizes sociais culturais e antropológicas e em graus diferentes. Entre o Norte muito celtibero e o Sul mouro existem múltiplos gradientes que se confundem e misturam, mas devem ser respeitados na sua riqueza e diversidade.
 
Provavelmente o reordenamento do território só será bem concebido num País previamente regionalizado. E a regionalização continua incompreensivelmente a ser um tabu mas será a premissa prévia para o reordenamento territorial e administrativo.
 
Tudo isto a propósito do eclodir de uma nova discussão à volta do reordenamento territorial, seja de freguesias, municípios ou distritos, ser considerada por Miguel Relvas um ‘erro histórico’. Nunca o será. Quando muito será um erro de paralaxe do ex-protagonista Relvas que olhou de modo vesgo e deslocado para esta melindrosa questão.
De facto, a dita reforma de 2013 não fez História, nem se aproximou que qualquer relevância. E por isso uma nova abordagem não pode ser considerada um erro e, muito menos, 'histórico'. Tão simples quanto isso.

Comentários

rui esteves disse…
MAIS DE 300 COUTADAS MUNICIPAIS.
No século XIX o Mouzinho da Silveira reduziu os mais de 2000 concelhos de Portugal a cerca de 300.
Passados quase 190 anos, continuamos com a mesma divisão territorial.
E, cedendo à pressão de alguns influentes locais, até lhe acrescentámos mais alguns concelhos.
Em 2003, governo Durão Baboso, havia 70 pedidos de criação de novos concelhos.
70 associações de abutres pensaram em governar-se e em proteger as suas ninhadas. Tiveram azar.
Canas de Senhorim e Fátima quase passaram mas foram travadas pela lucidez e prudência do PR Jorge Sampaio.
Esta divisão em 300 coutadas era aceitável no século XIX, quando ainda se andava a cavalo e as mensagens urgentes eram enviadas em telegramas transmitidos por código Morse.
Hoje 2/3 das CM são uma redundância e um desperdício de dinheiros públicos. Ficávamos melhor servidos com 100 novos polos autárquicos, com um mínimo de 20 000 habitantes por concelho, com a excepção das ilhas dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, em locais de difícil acesso.
Poupavam-se milhões que poderiam ser investidos a desenvolver o interior e a fixar população jovem.
A troica que aqui esteve durante o governo Pedro/Miquelina Albuquerque bem preconizou a redução dos concelhos.
Era uma das prioridades - a REFORMA ADMINISTRATIVA, a medida mais lógica que pouparia larguíssimos milhões dos nossos impostos. Não adiantou nada.
Passos Coelho acenou que sim, que iam poupar na Despesa do Estado, e cortaram nas Juntas de Freguesia que não têm praticamente despesa e são muito úteis nas aldeias mais isoladas.
E continuaram incólumes, e a custar-nos milhões por ano, concelhos que nem chegam aos 2000 habitantes (caso de Barrancos), outros que têm entre 2000 e 3000 (caso de Pedrógão Grande e Castanheira de Pera) e outros que mal chegam aos 6000/7000 habitantes (caso de Carrazeda de Ansiães, Vila Flor, Murça, Armamar, Vinhais, entre muitos outros).
Os abutres rejubilaram! E nós continuamos a pagar para que esta relíquia administrativa perdure incólume.
Até quando?

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