Discorrendo ao correr das teclas
Enquanto a depressão Bárbara despejava torrentes de água, que era uma bênção guardar, e o vento despia as árvores de folha caduca, partia ramos e arrancava caleiras, observei os 30 minutos de ruído televisivo dos noticiários do almoço e do jantar na RTP-1.
Dou por mim a pensar que ultrapassei o prazo de validade,
que as notícias, salvo as que se referem à Covid-19, sem necessidade de serem
servidas em doses tóxicas, não se ajustam aos meus interesses e expetativas.
Valem-me os jornais, um impresso e os outros virtuais, estes
a deixarem ler o suficiente para saber o que ocorre no mundo, para compensarem
a pobreza da informação do canal público e a desadequação à minha hierarquia de
exigências.
Até a linguagem é pobre, com uma economia vocabular confrangedora
para quem gosta da língua que se habituou a amar em Vieira, Garret, Camilo,
Aquilino e Saramago.
Há tempos, o adjetivo ‘complicado’ variava em género e
número para qualificar as mais diversas situações ou incidentes. Agora usa-se o
verbo arrasar, conjugado nas terceiras pessoas, em todos os tempos e modos, e o
adjetivo arrasador, para destruir a decisão que desapraz e, em tempo de
pandemia, o adjetivo ‘viral’ para qualificar as proliferações de referências sobre
o mesmo tema.
O estilo da competição desportiva pauta a informação. Cada
novo máximo de mortes ou de infetados, de doentes nos cuidados intensivos ou de
focos de infeção, é anunciado no tom eufórico de quem proclama a vitória da
seleção de futebol, em todos os noticiários.
Os assuntos novos são gritados como descoberta jornalística,
a cave inundada, o número de chamadas para bombeiros, o desabamento de terras,
as confusões de trânsito. Há, na comunicação, a excitação da novidade por cada
situação habitual, quer sejam incêndios, inundações ou desastres, na mórbida
fruição de desgraças.
A diversidade é feita com bastonários em campanha contra o
Governo e comentadores a preverem desastres em tempo de pandemia. As desgraças
vêm sempre, só não sabemos quando, e, nestes tempos, é fácil antecipá-las.
Há caras que, à força de repetidas, criam repulsa e, na
minha idade, depois de ouvir com atenção as recomendações sanitárias, considero
incluída a pressão no botão que desliga a televisão. O cumprimento das medidas
sanitárias é uma obrigação cívica.
E fico a pensar nos riscos do eventual chumbo do OE-2021,
com a guerrilha partidária contaminada pela contabilidade das eleições
presidenciais, a recorrer à chantagem e a ameaçar o caos.
Ponte Europa / Sorumbático
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