A Justiça portuguesa e o circo mediático_ 2
Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, incorruptíveis e brilhantes juízes, pagaram com a vida a perseguição à máfia siciliana ‘Cosa Nostra’, o último acompanhado da esposa, também magistrada, em atentados que comoveram o mundo.
A sagacidade com que conseguiram quebrar a lei do silêncio das
associações mafiosas e reunir provas irrefutáveis da atividade delituosa levou
os criminosos à prisão e a ‘Cosa Nostra’ à irrelevância.
Foi assim que juízes de exceção, que não frequentavam
televisões ou procissões, e cujas inquirições não saltavam para o espaço
mediático, ganharam o estatuto de super-juízes e entraram na história do
combate à corrupção.
Em Portugal, uma imprensa ávida de heróis, farta de fazer dos
políticos vilões, enaltece, para equilibrar, juízes banais, cidadãos medíocres,
ávidos de consideração social.
O juiz Rui Teixeira, no Processo Casa Pia, deslumbrado, prendeu
um deputado, suspeito de pedofilia, perante as câmaras da TV e tornou-se herói
nacional. O País lembra-se das câmaras que o seguiam e da satisfação com que ele
e as suas sapatilhas eram filmados, aos fins de semana, em ralis de todo o
terreno.
Foi recebido em delírio, com foguetes e banda de música na
comarca de Torres Vedras, quando aí foi colocado. Um acórdão da Relação referiu
que «cometeu erros grosseiros na investigação» do processo Casa Pia, mas veio a
ser classificado de Muito Bom o seu desempenho e é agora venerando
desembargador o meritíssimo juiz de então.
“O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos criticou a decisão
do juiz Rui Teixeira que não deu acesso à defesa dos testemunhos e dos
relatórios médicos das alegadas vítimas”
O seu deslumbramento e certeza da impunidade levaram-no a
proferir um despacho em que proibia “no meu Tribunal” o novo Acordo
Ortográfico, ‘a todos os funcionários e advogados’, numa redação onde mostrou a
sua ignorância da ortografia.
O ex-deputado, arruinada a carreira política, enlameado na
praça pública, terminou, sem provas, por nem ser sequer acusado, com a vida pessoal,
familiar e política destroçada, e o justiceiro apagou-se sem glória e sem
estagnação na carreira.
Veio depois o processo Marquês e um ex-PM que avisou da sua
vinda para responder às legítimas inquirições sobre a sua presumível conduta
delituosa foi detido no aeroporto e conduzido à prisão para gáudio das
multidões que seguiram o circo mediático durante anos de fugas ao segredo de
Justiça. Aguarda ainda julgamento.
No processo Vistos Gold, o ministro Miguel Macedo, acusado
de prevaricação e tráfico de influências, demitiu-se e, julgado nos jornais e
na rua, acabou absolvido, com a sua carreira política arruinada.
O festival de circo de Tancos levou à extinção da PJM, como
queria a PJ, à demissão do ministro da Defesa, Azevedo Lopes e a três anos sob suspeita
das graves acusações do inquisidor-mor Carlos Alexandre,
com eco em todos os média.
Referiu que “A
conduta de Azeredo Lopes é extremamente grave”, e acusou-o de violar os deveres
éticos por uma “melhor imagem interna do Governo” em ano de eleições. A
apreciação política é legítima em adversários partidários, mas indigna de um
juiz.
Depois das acusações
gravíssimas de Carlos Alexandre, de que “Estava a beneficiar e a proteger
autores da prática de crimes”, Azeredo Lopes viu a acusação a ter de recuar e a
pedir a sua absolvição. Nem essa magra satisfação lhe deixaram gozar.
A feliz coincidência
temporal da detenção do presidente de um popular clube de futebol trouxe o
ruído necessário e suficiente para passar despercebida a ilibação, como já
antes tinha passado sem espanto o desejo de prender o pouco estimável Joe
Berardo quando o Ministério Público não se atreveu a ir tão longe.
Se continuarmos a
aceitar normal a prisão para investigação e os impulsos justiceiros de um juiz
de instrução, indiferentes aos direitos dos arguidos, só porque não gostamos
deles, aceitamos que se tornem regra as exceções e os direitos dos arguidos
confiscados.
Comentários
Sobre a mais recente onda de detenções para prestar declarações sobressai uma forma de atuação do “ juiz” Carlos Alexandre que consiste em submeter os arguidos a um vexame público e a medidas de coação antes da prestação de declarações que visam pressionar estes mesmos arguidos. As razões invocadas - risco de fuga, continuação da atividade criminosa e interferência na investigação - carecem de substância quando se trata de processos que se arrastam há anos e nalguns casos remontam a factos públicos e conhecidos.
A isto acrescem as penas a que tem sido condenados alguns dos acusados. No caso “face oculta” culminou numa pena de 25 anos para o “sucateiro” … pena máxima raramente adoptada mesmo em crimes de sangue, além da desumanidade com que foi tratado o ex-presidente da REN vítima de demência agravada aquando da sua detenção para cumprir a pena.
Preocupa.me que o “juiz” Carlos Alexandre acolitado pela anterior Procuradora Geral Marques Vidal sejam promovidos por tanta gente como a expressão do estado de direito. E que a alegação de que alguém seja rico e poderoso legitime penas agravadas que em muitos casos excedem as penas em crimes contra pessoas e em especial crimes de sangue.