‘Cinco dias e cinco noites’ sem Marcelo
No regresso a Almeida, após 21 de meses em que a pandemia prolongou a ausência, fui encontrar os aparelhos de televisão sem sinal, reflexo da incúria autárquica que, depois de ter obrigado os moradores da histórica vila a desmontar as antenas, há largos anos, forneceu um serviço que, entretanto, se esgotou e aguarda agora substituição.
Nem tudo foi mau, apesar da revolta dos eletrodomésticos com
o abandono, da máquina de lavar roupa que se deteriorou, do aspirador que recusou
a função e da balança da casa de banho que entregou a alma ao criador, todos a
exigirem substituição.
Duas arcas de vime, de muitas décadas, cansadas da vida,
alheias à beleza artesanal que as exornava, deixaram-se corroer pelo caruncho
e, à falta da purificadora lareira acesa, acabaram na lixeira municipal.
A habitação, à espera de barrela, mobilizou um casal amigo,
a filha e o genro, quatro pessoas durante três dias, para higienizar seis
quartos, três casas de banho, duas salas, dispensas, móveis, janelas e portas,
com apoio de uma agulheta, para remover musgos das escadas de pedra, e de uma
máquina agrícola para lavrar o quintal.
Seria caso para descoroçoar se não tivesse a felicidade de
escapar às três aparições de Marcelo por cada noticiário, uma como PR, outra
como comentador e ainda outra, sob um qualquer pretexto, na contabilidade
aproximada de três dezenas de aparições entre a sopa e a fruta de cada refeição
principal, nos cinco dias da estadia.
De dois provectos aparelhos de TV só consegui a ténue luz
indicativa de corrente e duas palavras em lentas voltas aos saltinhos pelos
ecrãs, “Sem sinal”, sinal de que a avença à EDP, com 21 meses de zero Kw
gastos, manteve ligada a corrente elétrica.
Na histórica vila fecharam várias lojas de exploração
familiar e abriram-se duas dezenas de vagas para funcionários camarários
oriundos de localidades que pesam nas eleições. Não é acaso ter a vereação 4
edis do mesmo partido e só 1 da oposição.
Razão tinha um amigo meu que, depois de ter presidido a uma
câmara, me dizia que, em municípios com menos de 15 mil eleitores, só um
presidente burro perderia a autarquia.
No dia 2, feriado municipal, a vila ressuscitou da letargia
com os forasteiros que vieram assistir ou participar na recreação de uma das
várias batalhas travadas ao longo da sua história, com fardas da época e
filmagens para televisões, numa coreografia que criou a ilusão de vida numa
terra que vai morrendo e ressuscita todos os anos em agosto.
No quintal que foi de meus pais e avós, escondidos entre a
folhagem da latada, existem dois ninhos, um com o único passarinho implume à
espera de forças e penas para voar, e outro com um só ovo no choco, sobre o
poço de cantaria. Ficou-me a sensação de o planeamento familiar ter já chegado
aos pintassilgos.
Cinco dias e cinco noites sem Marcelo! Não podia exigir mais.
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