A toponímia, a História e outras histórias – Crónica

Percorria o cronista a Rua Direita, na vila de Almeida, rua que há gerações preserva o nome, quando, numa esquina, encontrou matéria para a crónica que há de surgir.

Tantas vezes, em quase oito décadas de vida, calcorreou o arruamento que os pais, avós e o próprio só conheceram pelo nome de Rua Direita, assim a designam os residentes, que foi surpreendido com o nome em que, durante as últimas décadas, não reparou ou esquecera: “Rua dos combatentes mortos pela Pátria – Rua Direita”.

É interessante que, à semelhança de muitas outras localidades, a Rua Direita, topónimo generalizado, seja sinuosa, as casas não foram construídas ao longo da rua, foi esta que surgiu ziguezagueante no espaço entre as casas.

O cronista recordou então o autarca que, no rescaldo da guerra colonial, a crismou, sem abolir o nome de batismo, para homenagear, a pretexto dos jovens que aí morreram, o regime que lançou o País na guerra colonial.

Quantas crónicas podiam escrever-se sobre o tema e quantas memórias vieram à mente do escriba!

Em Coimbra, a rua que homenageia um ex-PM autóctone chama-se ‘Avenida Professor Doutor Carlos Alberto da Mota Pinto’, o que certamente terá levado muitos, quando era frequente enviar cartas, a terminar o endereço na mesa, por ser o envelope estreito para escrever tão extenso nome.

A criatividade dos autarcas é espantosa, lembram a imaginação de anónimos poetas que escreviam nas paredes das retretes dos cafés no século passado. Relembrei duas quadras que decoravam a retrete dos homens, no Café Martinho, em Lisboa, cujo último verso seguia a lógica do nome completo da referida avenida:

Quando vires uma mulher perdida 

Não a olhes com desdém

Porque Deus quando castiga

Não tem obrigação absolutamente nenhuma de dar satisfações a ninguém.

e

Corria rija a festa,

Soprava forte o vento

Qu’inté apagava as velas da procissão

Aos irmãos da Sagrada Confraria do Santíssimo e Divino Sacramento.

Uma crónica é uma conversa com os leitores, e as conversas são como as cerejas, queira o adágio significar o que quer que seja, talvez porque a memória vai e vem, foge e volta, em sucessivas associações, por semelhança ou contraste, e foge de novo para regressar ao ponto de partida, no tempo e no espaço.

Eis-me de novo a recordar o edil do CDS que crismou a rua, que se dizia do CDZ e não do CDS, porque o Z estava à direita do S, e, por ironia, em vez de enaltecer o regime e transformar em heróis as vítimas, acabou por referir os ‘combatentes’ que a Pátria (leia-se ditadura) assassinou: “Mortos Pela Pátria”.

Bem podia a Pátria ter evitado matá-los, bastava um governo democrático.

Ridendo castigat mores.

Almeida, 25 de julho de 2021 (e.v.), 
Ponte Europa / Sorumbático

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