Não gostaria de ser Papa
Se fosse Papa não teria sabido o que era amar sem temor e não teria, no ocaso da vida, a companheira para continuar a partilhar os dias e noites que nos trouxeram filhos e netos.
Se fosse Papa não teria a reforma que já gozei, e teria de
me sujeitar à coreografia que a teocracia me impusesse.
Apesar de saber que não há outra vida além da que me coube, ainda
em curso, teria de obedecer aos rituais da liturgia e ao guião da promoção de
uma assoalhada para cada crente, no Paraíso, um condomínio sem endereço nem registo
na Conservatória.
E, se acaso acreditasse na pregação, teria de aturar
representantes de Estados laicos com comportamentos desviantes. Podia encontrar
desmiolados que me abanassem à chegada, sem medirem os riscos de um corpo
frágil a ser agitado como se fosse um xarope da fé e devesse ser agitado antes
de usado.
Se fosse Papa, já se percebeu que jamais seria, teria de
promover como substância ativa o placebo para o medo da morte e angústia que a
fragilidade humana semeia, reunindo o maior número possível de eventuais clientes.
Se fosse Papa, havia de faltar-me a paciência quando
procurasse estimular a fé na minha Igreja e tivesse parasitas à volta a promoverem
a sua imagem. Não aceitaria que alguém se colasse para passar de edil a PM ou
para se mostrar em todos os noticiários do país que algum tosco exibicionista julgasse,
em delírio místico, ser protetorado do Vaticano.
Agradar-me-ia ser veículo publicitário da Universidade da minha
multinacional, sabê-la isenta de impostos, mas não gostaria de que me
capturassem para as exibições pessoais enquanto tratasse dos negócios junto das
multidões convocadas para a fé.
Enfim, não gostaria de ser Papa.
Comentários
Parabéns, essa vale por todo o resto. Cá em casa ainda estamos deliciados.
Obrigado.
CE