Opus Dei, poder e ideologia

A notícia sobre a adolescente que terá recuperado a visão após a comunhão na manhã de 5 de agosto em Fátima, no Ano da Graça em curso, há de ter surpreendido os incautos pela insistência no que julgavam obsoleto.

Pareceu milagre gordo em tempo de escassa fé, mas a informação de que a espanhola participou na JMJ integrada num grupo organizado pelo Opus Dei ajuda a perceber. O Deus dos católicos pode dormir, o Opus Dei não. E pela-se por milagres!

É altura de revisitar o Opus Dei porque o que marcará a Igreja católica e o futuro da sua mais nebulosa organização religiosa foi a corajosa reforma que implicou a redução da independência da Obra.

Foi aliciante ver o Papa Francisco a vergar a prelatura de João Paulo II com a brandura que não foi usada para com os jesuítas que, aliás, sempre obedeceram a todos os Papas, enquanto a Obra se obstinou em capturar o poder papal. Foi JP2 que aboliu a secular eleição do padre-geral da Companhia de Jesus pelos padres da Ordem.

Apesar da falta de transparência, sabe-se que o Opus Dei, tem um exército de mais de 90 mil membros leigos, em mais de 60 países, especialmente na Europa e na América Latina, incluindo sobretudo destacadas figuras políticas e empresariais, e mais de dois mil sacerdotes. A apetência pela indústria, em geral, a bancária, em particular, fez da instituição que funcionou ao arrepio dos bispos das dioceses, uma força particularmente poderosa e politicamente influente.

O santo fundador, mal entrou em defunção, logo obrou milagres e cedo foi criado santo pelo Papa João Paulo II que lhe devia a eleição, as contribuições financeiras para as suas ações políticas, propaganda mediática pessoal e promoção obsessiva do culto mariano.

Santo Escrivá, diretor espiritual de Franco, cúmplice e esteio da ditadura e do fascismo, criou um exército de prosélitos e promoveu a formação de quadros para os partidos de direita e extrema-direita. A oração e o cilício eram para as horas vagas. Para os negócios e para a intervenção política todas as horas eram boas.

Os principais quadros do VOX, partido fascista espanhol, são oriundos dos colégios da prelatura e da Universidade de Navarra. As mais reacionárias leis de família, da Europa e da América latina, têm a mãozinha do Opus Dei.

Da Espanha de Franco ao Chile de Pinochet, este amigo do peito e da hóstia de S. João Paulo II colocou, sempre que pôde, os seus membros nos ministérios das Finanças dos Governos e nas administrações dos Bancos, incluindo em Portugal onde a Obra esteve presente na luta do BPI/BCP e nos governos de Cavaco e Passos Coelho. Em Espanha chegou a ter metade das pastas ministeriais dos governos de Franco e esteve implicada nos casos de corrupção e falência fraudulenta dos impérios Matesa e Rumasa e, mais tarde, na falência do poderoso Banco Ambrosiano, em Itália.

A decisão do Papa Francisco foi um rude golpe na obscura e poderosa organização que atuava sem qualquer controlo alheio à sua hierarquia, ignorando-se se os Papas faziam o que mandava a Obra ou esta era o seu instrumento nos pontificados anteriores.

Ontem, após o regresso ao Vaticano, o Papa cortou de novo os privilégios do Opus Dei. A organização passa a ser tratada como associação pública clerical, não como uma prelatura pessoal como até agora.

No futuro o Opus Dei terá de ser mais prudente nas conspirações contra as democracias.

O Papa Francisco herdou uma hierarquia lastimável, mas recuperou o respeito e está em vias de ressuscitar a confiança no Vaticano. Desejo-lhe saúde e tempo.


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