Eleições Presidenciais - A opinião de Vital Moreira.

 

sábado, 14 de dezembro de 2024

Eleições presidenciais 2016 (3): As minhas condições de voto


1.  Considerando a Constituição da República - que os PR juram respeitar quando tomam posse do cargo - e as várias experiências presidenciais ao longo deste 50 anos, em especial a que está em final de mandato, entendo que nas próximas eleições só devo apoiar um candidato que se comprometa explicitamente a respeitar, cumulativamente, as seguintes condições:
     - suspender, para todos os efeitos, a filiação partidária que eventualmente tenha;
     - assumir-se como Presidente de todos os portugueses, independentemente do seu voto;
     - exercer o cargo com discrição e elevação, recusando a banalização e vulgarização da magistratura presidencial;
     - respeitar os resultados eleitorais para a AR e a composição desta como única fonte da legitimidade dos governos; 
     - nunca esquecer que não lhe compete a função de governar, desde logo porque é politicamente irresponsável, a qual cabe ao Governo, responsável perante a AR, nem tampouco o papel de contrapoder, que cabe aos partidos de oposição;
     - não se pronunciar publicamente sobre as opções governamentais, nem sobre as posições da oposição, não sendo parte no respetivo debate político;
     - não se arrogar o papel de comentador político, muito menos através de pseudoanónimas "fontes de Belém", junto de meios de comunicação seletos;
     - manter uma atitude de leal cooperação institucional com o Governo em funções e fazer respeitar os direitos da oposição, pois nem um nem outra estão sob sua tutela política;
     - nunca esquecer que não lhe cabe a função legislativa, pelo que deve exercer o seu poder de veto legislativo a título excecional, especialmente em relação às leis da AR, que é o titular supremo do poder legislativo no sistema constitucional de separação de poderes;
     - não comentar publicamente as leis que promulga, pois a promulgação presidencial é uma obrigação constitucional por omissão (salvo veto), que não precisa de ser justificada, como se o PR fosse colegislador;
     - recorrer à dissolução parlamentar e à correspondente antecipação de eleições somente como solução de última instância - por se traduzir na interrupção do mandato conferido pelos eleitores -, e nunca por capricho político ou por desforço antigovernamental;
     - não instrumentalizar a convocação do Conselho de Estado para se imiscuir em matérias que não são da sua competência; 
     - respeitar escrupulosamente o princípio cosntitucional da separação entre o Estado e a religião, não participando, na sua qualidade presidencial, em cerimónias ou eventos religiosos;
     - defender os valores constitucionais da dignidade humana, da democracia liberal, do Estado de direito, do Estado social, da descentralização territorial, da integração europeia, da cooperação lusófona, da paz e da segurança coletiva numa ordem internacional sujeita a regras. 
Num Estado de direito constitucional, não deve haver lugar para o excesso ou abuso de poder dos titulares de cargos políticos, muito menos por parte do principal magistrado político da República.

2. É evidente, para quem acompanha o Causa Nossa, que este desenho da magistratura presidencial está nos antípodas da cargo do atual PR, Marcelo Rebelo de Sousa, cujo desempenho tenho criticado frequentemente na minha rubrica "O que o Presidente não deve fazer", que já vai no 50º episódio, onde defendi que ele se «arrisca a ficar na nossa história política como um modelo do que não deve ser o mandato presidencial».
Na verdade, creio que as próximas eleições devem proporcionar ao País um PR que cumpra escrupulosamente o perfil constitucional de "poder moderador" e de garante do «regular funcionamento das instituições», que exclui todo e qualquer ativismo político presidencial, em competição com a AR e o Governo. 

Eleições presidenciais 2026 (2): O perfil do PR

1. Considerando que «a função presidencial merece um debate - público, para ser democrático -», o ex-minisstro do PS e ex-presidente da AR, Augusto Santo Silva, publica no Expresso de ontem um importante texto sobre o que entende dever ser o perfil do Presidente da República a eleger em janeiro de 2026.

Poucas vezes se terá escrito tão acertadamente, fora dos circulos académicos, sobre os contornos político-constitucionais do cargo presidencial entre nós.

2. Vale a pena respigar os trechos mais densos politicamente, destacando a negro as ideias-chave:

Por si só, o egocentrismo constitui impedimento inultrapassável ao exercício da Presidência; e o mesmo se diga de qualquer inclinação caudilhista. Quem reclame ser a voz do “povo” contra os “políticos”, qual anjo vingador da “pureza” contra a suposta degradação da vida pública, quem pretenda ser investido de autoridade suprema sobre o conjunto das instituições (nelas incluídas os partidos), só demonstra incompreensão do papel presiden­cial. Não merece confiança. 
O Presidente serve a Constituição, não o contrário. É preciso regressar ao entendimento escrupuloso da Lei Fundamental. O Presidente não tutela o Governo, o qual responde politicamente perante o Parlamento. Não é colegislador. Não tem de ser a favor ou contra a política e a ação do Executivo, mas sim apoiá-lo institucionalmente, qualquer que seja, nos termos da solidariedade devida entre os órgãos do Estado.
O Presidente não tem de se substituir à oposição, nem avaliá-la, nem intrometer-se nos debates parlamentares, nem interferir direta ou indiretamente na vida dos partidos, nem funcionar como comentador omnipresente dos atos dos outros. Deve respeitar a vontade do eleitorado e a composição parlamentar, evitando ser — ou ser usado como — fator de instabilidade. Deve pesar as palavras e falar com clareza, recusando liminarmente manipular meios oficiosos e fontes anónimas. Deve recorrer às soluções que a Constituição lhe outorga — a demissão do Governo, a dissolução do Parlamento — com a maior das parcimónias, isto é, em último, mas último caso, se nenhuma outra solução menos extrema for possível. 
O Presidente não tem de opinar sobre os aspetos concretos do regime laboral dos médicos, das remunerações dos polícias, da carreira dos professores, da tabela do IRC ou do trajeto do TGV. Deixará ao debate parlamentar e à dialética entre o Governo e a oposição, ou entre o Estado e os parceiros sociais, os contornos específicos das políticas públicas, incidam elas sobre a rede viária ou os incentivos ao investimento. Aliás, sempre que o Presidente em funções decidiu alimentar ou ecoar as expectativas sociais sobre tais assuntos, veio invariavelmente a causar deceção, exatamente porque não dispõe dos poderes de governar; e, sempre que se deixou arrastar para a crítica sistemática das decisões ou omissões governamentais, a sua credibilidade veio, a prazo, a ressentir-se, porque a Presidência não é, nem deve ser, um contrapoder. (...)
A frequência com que se tem distorcido a função presidencial, colocando-a erradamente ao nível de Governo e Parlamento e encaminhando-a ainda mais erradamente para o terreno das medidas políticas de curto e médio alcance, leva a esquecer as responsabilidades nucleares do Presidente. É indispensável voltar a conceder-lhes toda a atenção.
A Presidência não é um cargo executivo. A sua missão é facilitar, não estorvar, a ação dos órgãos executivos e legislativos, respeitando as competências de cada um e a dialética política própria de uma democracia. É favorecer os processos de concertação também característicos da poliarquia democrática: entre Estado, regiões autónomas e autarquias; entre Estado e parceiros sociais; entre Estado, sociedade civil e empresas. 

3. Como costumo dizer quanto a textos de que gosto especialmente, "gostaria de ter escrito isto"! 

É fácil concluir que o mandato do atual titular do cargo não encaixa, de todo em todo, neste perfil do PR. Tendo eu apontado desde há muito, neste blogue e fora dele, as minhas discordâncias com o mandato de M. Rebelo de Sousa, é bom saber que se não trata de uma opinião descabida.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Subscrevo:

Eleições presidenciais 2026 (1): Para que serve a eleição?

1. A pouco mais de um ano das eleições presidenciais de janeiro de 2026, proliferam os potenciais candidatos, mas ninguém se adiantou formalmente como tal. A mesma contenção reina nos partidos quanto aos candidatos a promover ou a apoiar. 

Ao contrário de eleições anteriores, desta vez não existe nenhuma figura que se apresente antecipadamente como candidato natural ou como potencial ganhador. Todavia, a primeira sondagem de opinião publicada sobre o assunto confere quase 25% intenções de voto ao Almirante Gouveia e Melo, que, tudo indica, vai mesmo ser candidato. Mas, como é bom de ver, a procissão eleitoral ainda nem sequer está prestes a sair do adro.

2. Constitucionalmente, e ao contrário das eleições parlamentares, as eleições presidenciais não são uma competição entre partidos. Enquanto nas primeiras as candidaturas são reservadas aos partidos, não havendo lugar a candidaturas independentes, nas segundas não pode haver candidaturas partidárias, estando elas reservadas aos próprios cidadãos (entre um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000).

É fácil de perceber o fundamemto desta diferenciação radical: enquanto as eleições parlamentares são um disputa entre diferentes propostas políticas de governo, as eleições presidenciais têm por objeto a escolha do "Chefe do Estado", que, por definição, é presidente de todos os cidadãos e que, no nosso sistema político-constitucional, não tem poderes governativos nem entra na dialética entre o Governo e a oposição, cabendo-lhe, sim, nos termos da Lei Fundamental, assegurar, super partes, como "poder moderador", o "regular funcionamento das instituições" (por isso, tenho criticado a qualificação do nosso sistema de governo como "semipresidencialismo" -, por exemplo, AQUI).

As eleiçoões presidenciais não podem assentar numa errada representação do papel do PR.

3. Este quadro constitucional impõe-se tanto aos partidos como aos candidatos.

Quanto aos primeiros, sem prejuízo do apoio "externo" que decidam prestar a um candidato, devem abster-se de se apropriar das eleições presidenciais, seja designando candidatos "oficiais", seja tomando a seu cargo as suas campanhas eleitorais.

Quanto aos candidatos, devem abster-se de se apresentar como candidatos partidários ou de defender plataformas eleitorais tipo programa de governo, em vez de esclarecerem, como devem, o que pensam fazer do cargo, quanto ao estilo (ativismo comunicacional ou moderação institucional), quanto às relações com o(s) Governo(s) (cooperação leal ou confrontação), quanto ao exercício dos poderes presidenciais, tal como definidos na Constituição (veto legislativo, dissolução parlamentar, etc.).

As eleições presidenciais não são uma segunda via, nem um sucedâneo, das eleiçoes parlamentares.

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