Do Diário da Diana – 13 anos – escola C+S da Musgueira (7 de maio de 2025)

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Do Diário da Diana – 13 anos – escola C+S da Musgueira (7 de maio de 2025)

Ontem a minha mãe estava impagável, até referiu o que gostava de ouvir do novo Papa, após 89 cardeais, no mínimo, o elegerem. Como são precisos 2/3 dos 133 presentes, fez mais uma piada: no Vaticano tudo se faz com terços😊, Diana, numa alusão às rezas.

A culpa foi minha. Estava farta de cardeais a desfilar e a alternarem com comentadores e apostadores sobre o novo Papa da Igreja católica. E disse-lho!

Ora, cá em casa, nenhum é crente, nem o meu pai que acha a religião coisa de mulheres, com o seu desprezo habitual. Nem se lembra que tem duas mulheres em casa!

A minha mãe é ateia, como eu, ela por convicção, e eu, atrevo-me a dizer, por imitação, primeiro e, à medida que vou crescendo, por viver num ambiente alheio à metafísica.

A minha mãe respeita os crentes, mesmo das religiões cuja perversidade se mantém, e é avessa à submissão da mulher, à misoginia dos monoteísmos e à violência que herdaram da Idade do Bronze onde os patriarcas tribais transmitiram valores da época, através do livro comum, que dizem sagrado, a que Saramago chamou Manual dos Maus Costumes.

Isso não a impediu de respeitar e estimar o Papa Francisco que receou por vir do país de Videla, e se habituou a ouvir e respeitar ao longo do seu pontificado. Está muito atenta ao sucessor porque a influência será perigosa para as democracias se for um reacionário. E as democracias só floresceram em países de influência cristã, e contra os padres!

Quando as amigas lhe perguntam como pode ser ateia, como se fosse defeito, responde que somos todos ateus em relação aos deuses dos outros; os ateus só o são em relação a mais um. E, quando lhe dizem que vai converter-se na hora da morte, ela deixa as pessoas desnorteadas porque responde com uma pergunta, então acham que era capaz de me converter só para que morresse uma crente em vez de uma ateia? É terrível!

Mas vamos ao que interessa porque não me quero esquecer. Disse que, depois da eleição do Papa, é o protodiácono, o mais velho entre os cardeais, que o anuncia com as habituais palavras, em latim, a língua sagrada do catolicismo romano: “Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam!” (Anuncio-vos uma grande alegria: temos Papa!).

Depois, disse que não se importava que a pessoa eleita dissesse as tradicionais palavras: “Fratelli e sorelle, buonasera” (Irmãos e irmãs, boa noite).

Foi a partir daqui que entre a surpresa inicial e o riso incontido ouvi a minha mãe, sem se rir, como se estivesse num púlpito, a recitar as palavras que gostaria de ouvir. Só um aparte, a minha mãe procura, mesmo através do humor, educar-me na tolerância e no respeito aos outros.

Foi então que o discurso fluiu em português legítimo como se o tivesse pensado antes:

Irmãos e irmãs, antes de vos saudar, o Papa diz abençoar, agradeço ao meu marido e aos meus filhos o sacrifício que fizeram para me dedicar ao múnus. Agradeço à minha filha X os netos maravilhosos que me deu, ao filho Y, que é gay, a sua ternura para comigo…

E, já recomposta da surpresa, reparei que a minha mãe estava a dar-me mais uma lição de respeito pelos outros, de aceitação das diferenças, ainda antes de falar de paz, do clima, do consumo desenfreado e de outros problemas de que gostaria de ouvir falar o novo Papa, homem, celibatário e, com receio nosso, provavelmente conservador.

Agora é esperarmos o fumo branco depois de uma ou mais tentativas de fumo negro, de acordo com a tradição. A minha mãe que detesta o mundo a preto e branco e preferia outro, mais policromático!

Musgueira, 7 de maio de 2025 – Diana


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