Hugo Soares e o meteórico trânsito de leão a sendeiro…

Pode-se discutir a pertinência de colocar a lista dos falecidos no incêndio de Pedrogão Grande abrangida pelo segredo de justiça. Trata-se de uma quezília jurídica que a prática internacional vem questionar mas cada País tem as suas regras. Nunca teve grande aceitação a substituição de nomes por números. Foi, em determinada altura, um 'vício de caserna' mas seria de esperar que tivesse caído em desuso. Exceto, claro está, nas manipulações estatísticas que nos encharcam de números e levam a 'boutades' – como as que ouvimos no tempo de Passos Coelho – do tipo: ” a vida das pessoas não está melhor, mas a do País está muito melhor”! link.
 
Os circunstancialismos que rodeiam as perdas de vidas humanas nessa fatídica noite do incendio de Pedrogão Grande estão em fase de investigação como a gravidade dos acontecimentos e a Lei determinam, mas o luto nacional dura e perdura desde os primeiros momentos da sinistra ocorrência. É pouco saudável fazer luto sobre abstrações numéricas. Chorar as pessoas abruptamente roubadas ao nosso mundo e cuidar dos vivos, que sofreram as irremediáveis perdas, é uma questão essencialmente humanitária que gira à volta das sensibilidades, das liberdades e da dignidade (humana).
 
Para além dos libelos e das controvérsias jurídicas sobre o segredo de justiça pode entender-se que a divulgação nominal dessa lista é um assunto que, acima de tudo, dirá respeito aos familiares vítimas. É o tradicional contexto do nojo que há muito dispensa as 'carpideiras'. 
Não há necessidade de aprofundar ou especular mais sobre a lista de óbitos seja sob o ponto de vista nominal ou numérico. A atenção deverá concentrar-se na compreensão e apuramento das circunstâncias que possibilitaram um desastre desta natureza e dimensão. O apuramento das responsabilidades (de toda a ordem) será o passo seguinte. Mas por alguma razão a Direita quer colocar o carro à frente dos bois.
 
A divulgação nominal da lista das 64 vítimas do incêndio de Pedrogão Grande pela PGR, organismo encarregado de investigar esta tragédia – só aparentemente - coloca  uma pedra sobre o assunto. Tomando em linha de conta o ‘ritmo temporal investigativo’ da PJ e do MP é de recear que a procissão ainda esteja no adro. Mas nem mesmo a expectativa de uma incompreensível e dolorosa morosidade deve fazer resvalar a investigação para fora da sede própria.
Foi esse atropelo que o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, cometeu e tentou justificar com genéricas invocações sobre o Estado de Direito e a legitimidade representativa da Assembleia da República.
 
E todo o alarido que foi orquestrado pela direita (PSD e CDS) mostra como, à volta de um trágico acontecimento se tentou promover uma inadmissível exploração das trágicas ocorrências e se resvala para a mais abjecta chicana política.
As súbitas preocupações sociais e a mudança de agulha com vista a um hercúleo reforço do investimento público, recentemente adoptadas pela Direita, soam a falso e são cruelmente desmentidas pela realidade recente. Não há malabarismos capazes de desmentir esta realidade. Todos temos na memória como à volta da justificação de uma situação de 'resgate' se espezinharam as pessoas.
 
Os últimos dias revelaram a face mais tenebrosa da política de Direita. Desde a proclamação de um ultimato, a uma discussão parlamentar extraordinária, tudo foi exigido pela Direita num pungente exercício de aprendiz de Maquiavel. 
Mais, com sub-reptícias e torpes insinuações alimentando suspeitas sobre ‘ocultações’ em curso que a publicação da lista nominal – levada a efeito pelo MP – veio esvaziar estrondosamente, ficou patente, perante o País, a miserável intriga tecida e a péssima qualidade de uma desalmada especulação criada para, em primeiro lugar, desestabilizar o Governo e, de seguida, dar créditos à ‘velha bancada parlamentar passista’, adicta a soluções onde as pessoas, efectivamente, não contam.
 
Hugo Soares quis iniciar as novas funções parlamentares com uma entrada de leão. A publicação da lista afastando o espectro de mortes embuçadas trouxe à luz do dia a maléfica ligeireza e a perversidade política das insinuações do PSD. O resultado foi uma saída de sendeiro.
Não o esqueceremos pelos maus motivos tão despudoradamente exibidos.

Comentários

Manuel Rocha disse…
Não sei se a saída terá sido tão de "sendeiro" assim. Duvido muito que o PSD não tivesse informação sobre a verdadeira composição da lista. Limitou-se a aproveitar o facto de ela estar em segredo de justiça para fazer a única coisa que lhe vai restando enquanto oposição: desgastar o governo. E para isso não precisa de convocar a ética nem preocupar-se com a verdade - basta-lhe contar com a empenhada cooperação dos média de referência. E assim, "gota-a-gota", ...
e-pá! disse…
É comum ouvirmos a asserção de que o Governo está fragilizado. Não penso assim. Julgo que o quadro é mais vasto e estamos todos fragilizados, isto é, será o País que está fragilizado porque inopinadamente foi confrontado com uma atávica impotência em evitar - ou mesmo controlar - os infernais, endémicos e ameaçadores incêndios que tudo destroem à sua passagem.

A fragilidade revela-se, portanto, como endémica e não está circunscrita à tragédia de Pedrogão Grande. Os incêndios da Sertã, Mação, Castelo Branco, Mangualde, etc. expõem mais do fragilidades. As ocorrências do último mês revelavam profundas vulnerabilidades de um povo que foi sendo abandonado à sua sorte em prol das empresas e do crescimento económico. É duro entender isto mas será inadiável perceber que só teremos sucesso enquanto País enquanto formos capazes de preservar a coesão social. Não está a ser fácil.

Entretanto, a direita trauliteira aproveita oportunisticamente a situação acreditando que das nossas humanas fragilidades 'crescerá' a sua força. Um exemplar quadro de oportunismo político a meias com o mais abjeto populismo.

Na realidade, a comunicação social (a orgânica) tem dado cobertura a esta fase de instabilidade. Por outro lado, as 'redes sociais' aparecem conjugadas (pelo extremismo de Direita) num 'concerto' desestabilizador do ambiente político e revelam o intuito aproveitar-se da situação para tentar colapsar - não só o Governo mas o Regime.

Informar é um direito básico e fundamental da democracia. Mas não é indiferente a uma situação que é sistematicamente ocultada: a propriedade dos meios de comunicação social e os seus interesses privados (nunca declarados).

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