O sino do relógio da minha aldeia (crónica)
Na aldeia o sino da torre ainda insiste nas meias horas e, com intervalo curto, na repetição das horas diurnas. Calam-no, de noite, para não perturbar o sono de citadinos em férias. O relógio comunitário ignora os seus homólogos, no pulso dos cidadãos, a sua fiabilidade e a facilidade da consulta.
À força de se repetir vão-se as pessoas esquecendo de escutá-lo e de lhe prestar atenção. Se acaso parar poucos darão pela falta e o abandono será o destino fatal que já o condena. Viverá enquanto não se partir a corda e o maquinismo não encravar.
Mingua nas presas a água que regava os campos à claridade da aurora. Secaram as fontes que alimentavam regatos, mantinham viçosos os prados e os defendiam da canícula.
Falta a água, seca a erva, ficam maninhos os campos. Os velhos vão mirrando enquanto os novos se fizeram à vida e abandonaram as terras e os pais.
Também na igreja o sino chama os paroquianos para os actos litúrgicos com o som triste de quem envelheceu com as pessoas e trina por hábito, sem convicção nem entusiasmo dos que ainda o escutam.
Só os emigrantes iludem, durante as férias, a solidão e abandono a que o interior de Portugal está votado. Foi longo o processo, mas eficaz, penoso e irreversível.
À força de se repetir vão-se as pessoas esquecendo de escutá-lo e de lhe prestar atenção. Se acaso parar poucos darão pela falta e o abandono será o destino fatal que já o condena. Viverá enquanto não se partir a corda e o maquinismo não encravar.
Mingua nas presas a água que regava os campos à claridade da aurora. Secaram as fontes que alimentavam regatos, mantinham viçosos os prados e os defendiam da canícula.
Falta a água, seca a erva, ficam maninhos os campos. Os velhos vão mirrando enquanto os novos se fizeram à vida e abandonaram as terras e os pais.
Também na igreja o sino chama os paroquianos para os actos litúrgicos com o som triste de quem envelheceu com as pessoas e trina por hábito, sem convicção nem entusiasmo dos que ainda o escutam.
Só os emigrantes iludem, durante as férias, a solidão e abandono a que o interior de Portugal está votado. Foi longo o processo, mas eficaz, penoso e irreversível.
(Publicado no Jornal do Fundão, hoje).
Comentários
Muitas vezes interrogo-me sobre a lenta agonia do Mundo Rural.
E, fundamentalmente, sobre os danos que, o contínuo êxodo para a urbe, vai trazendo à nossa identidade, enquanto Povo.
O pungente abandono das nossas remotas âncoras sociológicas fede-me, sempre, a catástrofe cultural.
Nessas alturas, refugiu-me nos livros e, consolo-me, por exemplo, nos contos prenhes de ruralidade do grande escritor coimbrão - Miguel Torga (de Coimbra, de Portugal e do Mundo).
Nomeadamente, naquilo que considero a sua obra autobiográfica onde, com rara clarividência, exprime a plenitude e a autenticidade de um sólido e virtuoso homem rural - CRIAÇÃO DO MUNDO.
Paulatina e reflectidamente foi escrevendo estes brilhantes textos de 1937 a 1981.
Uma vida.
carlos para quando a publicação destas tuas crónicas em livro?
Simples, sereno, mas "real".
Escreve sempre, porque escreves bem.
Ah!ah!ah! Já estás reformado?
Dá notícias para aesperanca@mail.telepac.pt
Vou dando noticias aqui, sempre e quando o tempo mo permitir.
Mas registei o teu email.
Não conhecia o "blogue". Foi via "piolho da solum".
Um abraço
PS - A reforma é só para os "predestinados" e "escolhidos".
Mais uma vez, tomei a liberdade de reproduzir este seu excelente "post" no
Regionalização.
Cumprimentos,
Eu é que me sinto agradecido pela sua amável deferência.