Timor, meu amor...
Li, há mais de quarenta anos, o livro «Funo (Guerra em Timor) de Carlos Cal Brandão. Lembro-me mal do conteúdo que nas andanças da guerra colonial acompanhou a arca de livros que me desapareceu entre Moçambique e o regresso à Pátria.
Ficou-me dessa leitura o interesse e simpatia que a ocupação indonésia tornaria paixão. Acompanhei com raiva e impotência o genocídio de um povo pobre, dividido por etnias, línguas diversas e retalhado por vicissitudes históricas entre Portugal e a Holanda.
Timor-Leste foi vítima de tradições ancestrais onde, aos constrangimentos autoritários de natureza tribal, se juntou o colonialismo e o proselitismo da Igreja católica que não admitia outras formas de culto e procurou erradicar a tradição animista que ainda hoje persiste com contaminações católicas e vice-versa.
Na parte Ocidental, o protestantismo holandês, mais tolerante, permitiu que o animismo e o islamismo se desenvolvessem a par do protestantismo.
Timor foi um lugar de afecto pelos exilados políticos que recebeu, um ponto perdido na imensidão do planeta, ocupado pelos japoneses para base militar do imperialismo, povo martirizado pela monarquia e pela república na sua insubmissão a qualquer tirania.
Mas foi a Indonésia que exerceu a mais odiosa das ocupações e a Austrália a mais concupiscente no desejo de rapina das matérias-primas, em especial o petróleo.
A independência de Timor foi para os portugueses uma espécie de catarse freudiana do seu passado colonialista e um triunfo do espírito humanista e solidário.
Na resistência hercúlea ao poderoso exército indonésio um rosto protagonizou a gesta heróica de um povo, da gente de Timor Lorosae – Xanana Gusmão.
As últimas notícias são demolidoras para Xanana que várias vezes apelidei de ingénuo no golpe de Estado levado a cabo contra o Governo legítimo de Mário Alkatiri.
Hoje, invadido pela tristeza, recuso dar largas à decepção e usar os adjectivos que me ocorrem.
Direi apenas que sinto a mesma mágoa que um dia me atingiu quando Otelo Saraiva de Carvalho, herói de Abril, referência simbólica do dia mais feliz da minha vida, recolheu à cadeia por comportamentos que lhe arruinaram a imagem e comprometeram a honra.
Sinto que Xanana é o Otelo de Timor-Leste.
E não consigo deixar de gostar deles.
Fraqueza minha.
Comentários
Todavia, convém não perdermos a noção de que a grande vítima será o povo maubere.
Em tempos idos apareceu na imprensa esta frase bombástica:_ "XANANA TRAÍU" .... E depois essa coisa passou. Se é verdade o que a imprensa australiana diz sobre XANANA, meu caro, a nódoa fica e nunca mais poderá haver cabeça erguida. E um homem de cabeça em baixo não é digno.
Todavia, não acredito nessa coisa como executor do golpe....
JS
Não disse, nem insinuei, que era o executor mas a face visível.
E é tanto mais visível quanto são gigantescas as suas responsabilidades históricas perante Timor.
Aliás, não penso haja um único "mandante". Independentemente das recentes notícias citadas no post, divisavam-se, já alguns:
- o gov. australiano,
- a ICAR de Timor
- ...
JS:
Creia que opinar sobre Xanana é para mim doloroso.
Fiquei tentado a reproduzir, aqui, uma poesia de Berilo Wanderley:
"HOMEM SÓ
Além da janela, os ramos verdes
e um resto de tarde se apagando.
Mulheres de branco, os rostos parados e frios,
passam.
Algumas colhem flores friamente,
como se não colhessem flores,
Homens tristes e abandonados descem do alto da rua.
Vem do trabalho que ficou lá no fim da cidade,
e trazem para suas mulheres suor, pão quente e amor.
Sempre há amor nos homens quando as tardes findam.
E sempre haverá mulheres de branco apanhando flores,
quando as tardes findam.
Há amor também no homem só
que está por trás da janela
e se embala numa rede azul.
Um azul que vai e vem e que arranca do homem
uma canção que se apaga com a tarde
e que vai enchendo de noite
o entardecer do quarto."
É isso: Timor que se vai enchendo de noite!
Cumprimento o autor do texto anterior e aproveito para lhe dizer que estou solidário... Belo poema.
Sem mais, sou
JS
«Fraqueza minha.»
É fraqueza ou franqueza sua?