Mário Soares, o CDS e a descolonização

Ninguém é obrigado a gostar de um morto, por muito excecional que tenha sido, nem a alterar os sentimentos que por ele nutria em vida. Se não houvesse fascistas, teriam sido dispensáveis os antifascistas e a Revolução de Abril.

O que é intolerável é a ignorância de um deputado em relação à História, numa atitude a recordar calúnias da Pide e dos fascistas, a polícia a publicá-las nos jornais portugueses, e os outros, depois de Abril, nos jornais brasileiros, para as transcreverem ao abrigo da liberdade oferecida.

Nuno Magalhães [CDS] elogiou Soares, mas não esqueceu “processo de descolonização apressado”.

Nesta declaração, tão leviana e ressabiada, fez a síntese entre a síndrome portuguesa de “Pieds-Noirs” e a síndrome de Estocolmo de antigos combatentes, estes a esquecerem os algozes, e a julgarem-se heróis, no sofrimento que lhes foi imposto.

A descolonização portuguesa principiou em Dadrá e Nagar-Aveli (1954), Ajudá, cujo forte ardeu por ordem do ditador Salazar (2/8/61), e Goa, Damão e Diu (dez. 1961). O princípio do fim começou em 15/03/1961 com o selvático ato de terrorismo da UPA (depois designada FNLA), em Angola, onde assassinou barbaramente quase um milhar de colonos brancos e milhares de trabalhadores negros, e na vindicta do exército, onde o sádico alferes Robles foi símbolo do horror. A descolonizou continuou em três frentes, com Wiriamu, em Moçambique (16/12/1972), 7481 mortos, 1852 amputados (soldados portugueses), até à derrota portuguesa que conduziu ao 25 de Abril.

Quem não percebe que Portugal foi derrotado, como todos os países colonialistas, e que a descolonização durou 13 anos, aliás 20, já sem alternativa, não entenderá a eficiência das Forças Armadas Portuguesas a retirarem de três teatros de guerra (96.392 homens sem uma só baixa), caso único no mundo, e, muito menos, o que foi a descolonização.

Não vale a pena explicar a Nuno Magalhães que Mário Soares foi grande pelo que diz o fundador do seu partido, Freitas do Amaral, na carta de homenagem que enviou ao DN, considerando-o “o maior político português do século XX”.

Mário Soares teve um papel modesto na descolonização, quando comparado ao de Melo Antunes e dos altos comissários da Guiné, Angola e Moçambique, ou seja, ao do MFA, sob cuja égide se lavraram as escrituras de independência das colónias.

O deputado do CDS, por ressentimento, seu ou da líder do seu partido, típica Pied-Noir, nunca entenderá o que devemos a Melo Antunes e Aniceto Afonso, evitando o massacre de militares portugueses em Moçambique, por culpa das obscuras manobras de Spínola, nem a grandeza do país que acolheu, como devia, e mereciam centenas de milhares de refugiados.

Nota – O signatário cumpriu quatro anos e quatro dias de SMO, 26 meses dos quais em zona de guerra, em Moçambique.

Comentários

e-pá! disse…
A descolonização portuguesa começará provavelmente com o grito de Ipiranga (1822). E será uma das consequências da Revolução Liberal portuguesa.
Mas tivemos muitas outras formas de descolonização. Uma outra resulta, por exemplo, do Ultimatum e do célebre 'mapa cor de rosa'. Não foi propriamente uma descolonização mas uma apropriação (por um colonizador mais forte). Teve também como consequência a aceleração do processo de implantação da República.
A primeira guerra mundial vai ditar a descolonização da India e mais tardiamente da chamada Indochina. A II Guerra, e a criação da ONU, acelera o processo de descolonização africano que um regime anacrónico e ditatorial pretendeu adiar ad eternum.
E outros exemplos existem.
Quando se distorce o processo de descolonização português e se esquece a História dos povos frequentemente sai baboseira, para não dizer asneira.
Nuno Magalhães escolheu este caminho.
Foi pena não me ter recordado do grito de Ipiranga. E do resto do teu comentário. Tinha valorizado o meu texto. Abraço.

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