Ainda sobre a cimeira de Singapura (Sentosa Island)…
A (ainda) recente cimeira de Singapura - entre
Donald Trump e Kim Jong-un - continua a ser um insondável enigma, provavelmente
um fogo-fátuo.
Não se percebe como a dinastia Kim que levou
largos anos a investir no armamento nuclear e balístico, como instrumento de
sobrevivência do regime norte-coreano, colocando os seus cidadãos num miserável
subdesenvolvimento, agora, com um golpe de mágica, resolve deitar borda fora
este pesado investimento bélico em troca de vagas e vãs promessas de
desenvolvimento económico futuro.
Por outro lado, é muito pouco convincente que a
diplomacia norte-americana – com o histórico de negociações na Ásia - tenha
descurado questões respeitantes à península do Coreia que, em termos
geoestratégicos, dizem respeito à influência norte-americana no Oriente. Para
além das questões orçamentais, logo sublinhadas por Trump, à volta de um
eventual regresso a casa do forte contingente militar aí destacado, tudo o resto mantem-se insondável e oculto.
A troca de 'desnuclearização ‘total’ (?) pelo desenvolvimento
(paz em troca de prosperidade) parece muito parca e pouco convincente. De igual
modo, o afastar do palco das negociações das questões humanitárias, um velho
cavalo de batalha do Ocidente, revela que o ‘passo de Singapura’ foi dado como
sendo uma coisa urgente.
A súbita e rápida aceitação dos norte-coreanos
de um acordo tão somítico e restrito pode fazer supor que o programa nuclear
poderá não estar a correr tão bem quanto o propagandeado e que afinal a aposta
bélica pode não estar a dar as desejadas garantias de ‘tranquilidade’ e
longevidade ao dinástico regime Kim. O líder norte-coreano estará interessado em ganhar
tempo e pouco mais terá conseguido da cimeira de Sentosa Island.
Apesar da pobreza e da volatilidade de uma
política externa que tem sido conduzida sob a Administração Trump este pode ser
um trunfo para as eleições federais e estatuais que se aproximam. O
ex-apresentador televisivo protagonizou mais um talk show. A intervenção
americana no exterior, nomeadamente em relação às alterações climáticas e ao
Irão, tem sido francamente desastrosa e esse facto não tardará a tornar-se
evidente. Esta nova frente de acção será, antes de tudo, uma manobra de diversão
(para consumo interno). A fama de uma desastrosa nulidade e controverso
percurso em relação à actuação de Trump no contexto internacional tinha de ser
compensada com algo de extravagante e mediático. É este o guião dos
espectáculos.
Será também este o resultado preliminar da
cimeira realizada em Sentosa Island. Todos aqueles que tentaram ignorar (ou
contornar) o vazio registado e, paralelamente, produziram declarações de circunstância
à volta de conceitos pacificadores mais não fizeram do que alimentar um
insuportável e efémero ilusionismo. O acordo é muito mais vago e indefinido do
que a maioria dos analistas previram. Mais parece um abrupto e, mais uma, vez
transitório ‘cessar-fogo’ do que um encontro gerador de linhas estratégicas capazes
de conduzir a uma real e duradoura pacificação. O cheiro de 'uma paz podre' empesta todo este circo mediático.
A China -
destacada e hegemónica potência regional - aguardará pacientemente os fracassos
que, desde já, se adivinham (ou anunciam) no conturbado horizonte regional e,
quiçá, mundial. Por alguma razão Kim Jong-un teve o cuidado de, nas vésperas da
cimeira, deslocar-se a Pequim. Já, o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in,
será o pivot de serviço para as imediatas e imprevisíveis mudanças que
- se por ventura ocorrerem - serão incapazes de contrariar a crescente influência chinesa na área
(uma outra fonte de ‘incómodo’ simultaneamente americana e norte-coreana).
Singapura corre o risco de ter sido o palco de uma
encenação à boa maneira americana, do tipo dos espetáculos de vaudeville (tão do gosto yankee). Ou estaremos perante, para usar uma
expressão do efabulado Esopo, a caricata situação de: ‘a montanha que pariu um rato’…
A península coreana será abandonada à sua sorte
e não escapará ao destino que Pequim vem pacientemente preparando, a médio
prazo, para o Oriente e, a longo prazo, para o Mundo.
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