Ainda sobre migrações …


A ‘crise migratória’ é o assunto do dia no espaço europeu e tem levado a múltiplas considerações e análises  link
As migrações que ‘atormentam’ a UE gravitam à volta de uma palavra: Miséria.
 
São as miseráveis guerras, a miséria das perseguições (políticas, étnicas e religiosas) e a miséria da fome e do subdesenvolvimento. É difícil estabelecer uma hierarquia entre estas indigências. Todas e cada uma per si são motivos mais do que suficientes para colocar pessoas em fuga e em busca de melhores condições de vida. Ninguém quererá permanecer ancorado a uma ‘miséria de vida’.
 
O grosso do fluxo migratório europeu é oriundo da Síria. A inocência da UE - e do Mundo - no desenrolar do devastador conflito sírio não pode ser invocada. Seria escandaloso faze-lo. 
Não restará a menor dúvida de que a população síria que foge de uma guerra civil fratricida à mistura com a inaudita violência do terrorismo (de índole política ou religiosa) carece de proteção internacional. Estas situações ultrapassam as meras questões migratórias, isto é, dizem respeito à condição de refugiados. A Lei internacional protege desde há muito as pessoas nestas situações definindo direitos e deveres (Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados, 1951).
 
Ora, os fluxos migratórios não são deambulações feitas ao azar nem por caprichos cosmopolitas. Tem razões profundas e exprimem condições adversas. É absolutamente despropositado – depois de séculos de colonialismo - o que se está a passar na Europa com as tentativas de excluir do estatuto de refugiados os migrantes por motivos económicos.
 
O ‘inverno demográfico’ é uma coisa séria. Não se combate com ocasos humanitários ou derivas populistas de um nacionalismo serôdio.
Não é resolúvel com ‘vistos gold’, nem com acolhimento de reformados do norte da Europa que, no nosso País, já atingem perto do meio milhão de cidadãos. Trata-se de uma migração bucólica mas acima de tudo fiscal.
 
Na verdade, perante o fluxo migratório presente é imperioso considerar que a fuga à ‘miséria de vida’ é bem justificável e humanamente válida para a aquisição do estatuto de refugiado. Quando a política europeia vacila neste terreno exibe à saciedade quando de artificial e diáfano tem sido o processo de globalização.
Quando se introduzem mudanças estruturais no ambiente que nos cerca passando da aldeia próxima, para a vila ainda cercana, depois para a cidade já incaracterística e finalmente para o País na melhor das hipóteses absorto, o olhar acaba por recair obrigatoriamente sobre o Mundo.
Está a acontecer assim nos circuitos económicos e financeiros e será também assim nas relações entre os humanos.
 
As migrações são fenómenos muito antigos mas temos de reconhecer que foram abruptamente agravados com o processo de globalização inacabado, desequilibrado e enviesado. A mundialização não gerou qualquer nivelamento económico e social – favoreceu unicamente a especulação financeira – que, por sua vez, tornou evidentes gritantes desigualdades que não param de se aprofundar.
 
A presente discussão sobre o ‘problema migratório’ que ocupa os dirigentes europeus tem uma questão subjacente – o desenvolvimento. Aí, ou seja neste terreno, em que a ‘onda desenvolvimentista’ (ou mais limitadamente do 'crescimento económico) aparentemente baseada nos ‘mercados livres e abertos’, depois dos fundamentalismos de Reagan e Thatcher, tudo acabou por entrar num descontrolado rodopio de que os conflitos regionais são um acabado exemplo.
 
O ‘Consenso de Washington’ criado em 1990 pelos ‘Chicago Boys’, insere-se na cartilha do acordo de Bretton Woods (1944), e como pacto prioritariamente endereçado ao Mundo Financeiro revelou-se um fracasso absoluto.
Visualizam aí a exacerbação de vários tipos de hegemonias, a imposição de sucessivos ‘programas de ajustamento’ (FMI, p. exº.) e poucos, ou nenhuns passos, fora dados em relação uma coesão económica e social que criasse harmonia e sintonia entre os seres humanos e a terra nativa.
 
Ora, quem não está bem, muda-se. Esta a realidade comezinha que faz movimentar multidões quer sejam indignados quer migrantes e não pode ser ocultada. Interessaria discutir, no contexto europeu e mundial, quais aa causas próximas e remotas do mal-estar que vai grassando por regiões e já atinge continentes. Antes consumir tempo  e argumentos na criação de uma 'Europa fortaleza'.
 
E as mais recentes manifestações nacionalistas e protecionistas do tipo americano (de Trump) ou europeu oriundo do 'grupo de Visegrado' e, mais recentemente, do populismo (fascizante) italiano, mais não contribuem do que estimular a cascata migratória. É muito difícil conceber uma livre circulação de capitais e mercadorias e levantar poderosas barreiras à circulação de pessoas.
 
Óbvio que a regulamentação destes surtos migratórios é indispensável no terreno para regular as condições de permanência, de retorno, de vinculação, de trânsito e todos os tipos de mudanças integradoras inerentes.
O dispensável – para não dizer o insuportável – são atitudes xenófobas e mais concretamente a exacerbação do etnocentrismo subjacente aos bacocos nacionalismos, atitude que contamina a dita 'civilização europeia', ou se quisermos, 'ocidental'.

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