Tutti Frutti ou Tutti Quanti?

A ‘Operação Tutti Frutti’ [link], levada a cabo pela PJ e MP, traz para a atualidade política a questão da transparência negocial e os esquemas de favorecimento que parecem ser endémicos.
 
Na verdade, esta operação - à primeira vista - parece ter uma incidência particular pois sugere incidir sobre o financiamento partidário à custa de ‘sacos azuis’. Será uma das razões porque a seu objeto tem um âmbito (volume) tão alargado. Mas será impossível dissociar mais este escândalo dos permanentes episódios corruptivos (disruptivos?) que têm fustigado o País.
 
Na verdade, os casos de opacidade financeira e negocial que estão na berlinda, surgem em catadupa e continuam a castigar este País, são muito vastos e penosos para o contribuinte indo desde o sector financeiro (BPN, BES, BANIF, etc.), ao largo espectro de oblíquas atividades rentistas tecidas à volta das (ex) grandes empresas públicas (EDP, REN, GALP, etc.) que originaram uma ‘captura regulatória’, às Parcerias Público-Privadas (PPP) com todo o cortejo de ‘mordomias contratuais’ que eliminam os riscos de investimentos, às ‘privatizações selvagens’ (CTT, TAP, ANA, p. exº.) com transferências de propriedade e dos lucros para os sacrossantos ‘investidores’, mas continuando a vigorar a retenção (na esfera pública) de responsabilidades de tesouraria no caso de défice.
Em muitos aspetos este vasto esquema assemelha-se a ‘um negócio da China’…
 
Agora, isto é, com mais esta ‘Operação Tutti Frutti’, surge mais um cortejo de opacidades a acrescentar aos sistémicos. Esta investigação orbita à volta de esquemas de favorecimento (locupletamento?) protagonizados por titulares de cargos públicos a nível local (autárquico) e entidades privadas. É certo que nem todos os eleitos ‘são farinha do mesmo saco’ – e esta circunstância tem sido invocada repetidamente para ‘aligeirar’ a dimensão do problema - mas a vastidão da ‘desbunda’ exibe características endémicas e a situação tornou-se insuportável.
 
A ‘Operação Tutti Frutti’ incide sob o visionamento da possibilidade efetuar ‘ajustes diretos’ –terreno fundamentado na operacionalidade e prontidão da resposta dos serviços públicos  - que tem sido vitima do uso e abuso por parte das entidades públicas. A urgente aquisição, aluguer ou contratação de meios, equipamentos e/ou de recursos humanos não disparou subitamente, ou um ‘acontecimento inesperado, mas o que estará a acontecer (paralelamente) será a incapacidade de planear necessidades próximas, a médio prazo ou longínquas.
 
Tomemos um exemplo: a questão da manutenção e reabilitação dos espaços verdes no domínio público – um dos assuntos sob investigação - que é uma situação perfeitamente previsível e programável no tempo e nos espaços. Não se entende como uma atividade que se reveste de características permanentes é objeto de ajustes diretos pontuais.
 
Certo que as pequenas freguesias não têm capacidade orçamental para terem nos seus quadros de pessoal cantoneiros ou jardineiros, mas a solução poderia passar por organismos municipais ou intermunicipais. O liberalismo reinante face a estas situações concretas advoga – com base em falsas considerações de eficiência e poupança - o recurso ao 'mercado de serviços'. E como sabemos este mercado desregulado (característica mercantil transversal) - através de enviesamentos múltiplos desde a amizade, à cor política, ao compadrio mais abjeto, à participação em negócio - tem proporcionado todo o tipo de manigâncias negociais que estão por detrás de múltiplos processos corruptivos isentos da necessária (indispensável) transparência democrática.
 
Os casos das assessorias são a outra vertente do problema em investigação na ‘Operação Tutti Frutti’. A ‘confiança política’ é um controverso predicado que se tem agigantado para justificar situações e tem servido de cobertura para granjear empregos a boys.
A miscelânea (confusão) entre ‘confiança política’ e ‘compadrio partidário’ é absolutamente conspícua. Se essa ‘confiança’ tem alguma razão de existir em altos cargos públicos será muito difícil de justificar ao nível, por exemplo, das vereações municipais. As assessorias - quando justificadas - nos diversos níveis da Administração deveriam obedecer à escolha por mérito, isto é, por concursos públicos, com um perfil definido para as funções a desempenhar. Evitava-se assim as situações injustificadas e/ou outras fictícias (como sugere a Operação Tutti Frutti) que mais não passam de ‘prémios’ de colaboração ou de fidelidades (partidárias) e, pior, podem sugerir iníquos métodos de financiamento partidário.
 
Contudo, o problema é, na realidade, mais vasto. Trata-se da reforma do Estado sempre adiada e sempre evitada com base num status quo, imobilista e devastador (corruptor) da necessária identificação dos cidadãos eleitores com os titulares eleitos. Se não existir vontade (coragem) política ou condições constitucionais para reformar o Estado porque isso pode implicar questões de regime ao menos que se tente a Reforma Administrativa.
Uma coisa é reformar outra será modernizar embora as duas vertentes não sejam contraditórias ou conflituosas.
A maioria dos Governos tende a introduzir modernizações (o ‘Simplex’ será isso) mas receia alterações de fundo porque não tem ideologicamente uma posição consistente e clara sobre as características, funções e dimensão do sector público e o seu papel nas prestações sociais colocando os cidadãos no centro das mudanças. Todavia, este é um outro assunto que nos levaria muito longe.
 
A cascata de indícios de corrupção quando desmedida e insistente acabará necessariamente por proporcionar disrupções sociais. Essas possíveis fraturas terão rebate político e serão o terreno para o aparecimento, em primeiro lugar, de populismos e, por fim, de soluções musculadas, ditatoriais, onde todo o tipo de escrutínio desaparece ou é reprimido e todos os ‘negócios’ são possíveis e ‘recomendáveis’.
 
Óbvio que o actual momento é o tempo do funcionamento da Justiça. Mas independentemente desta asserção primária de um Estado de Direito convêm não desvalorizar o rebate político e social que mais este indício de corrupção levanta. Os cidadãos começam a ficar de ‘saco cheio’ e mais um caso corre o risco de ser a gota de água susceptível de fazer o copo transbordar.

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