José Manuel Tengarrinha
A pouco e pouco vão desaparecendo as referências da luta antifascista. Zé Manel, como era tratado o académico e político, de trato fácil e cativante simpatia, por todos os sócios da cooperativa Devir, foi um dos muitos perseguidos e presos pela ditadura. Faleceu há pouco.
No início da década de 70 era um dos muitos intelectuais que animavam a Cooperativa da rua Duque de Loulé. Um dia por semana havia uma conferência que era uma aula de formação cívica e política. Ele era um dos que se destacava e dos mais assíduos.
Pereira de Moura, Carlos Carvalhas, Sérgio Ribeiro, Lino de Carvalho, Sottomayor Cardia, Hugo Blasco Fernandes, Ana Maria Alves, Urbano Tavares Rodrigues, Lindley Cintra, Vítor Santos, César Oliveira, Nuno Brederode Santos e muitos outros eram presenças assíduas.
Foi ali que que os touros da ganadaria do capitão Maltez Soares, a polícia de choque de Lisboa, nos atacaram enquanto destruíam o recheio e os sócios em fuga eram marcados com tinta azul de metileno, lançada pelos carros de água da polícia, sob pressão.
Tengarrinha ia lá quase todas as noites e lá estava quando, a mando do governador civil Marchueta, fomos espoliados da nossa Cooperativa e agredidos. Era um conversador cativante e excelente comunicador.
Aqueles companheiros davam o ânimo que era preciso para resistir. Apareciam em todo o lado, no cineclube Imagem, a ensinar a ver cinema; a comemorar o dia Internacional da Mulher, no palácio do Marquês da Fronteira, o democrata a quem os republicanos mantinham o título nobiliárquico; no funeral do Ribeiro Santos, assassinado pela Pide; nas manifestações contra a guerra colonial; na dinamização do recenseamento eleitoral; na criação da nova cooperativa, Esteiros, na rua Braamcamp, onde o 25 de Abril não deu tempo à ditadura para a destruir. Após essa gloriosa data, partiram para os partidos políticos, incluindo o MDP/CDE, cujo palácio do Movimento Nacional Feminino, na Rua Artilharia 1, passou a ser a sua sede e onde o Zé Manel Tengarrinha foi presidente da Comissão Central.
Não sei se a memória me prega alguma partida, e foram tão exaltantes os anos em que tive o privilégio do convívio e da amizade de Tengarrinha que, agora, uma hora depois de me cair no computador a notícia da sua morte sinto que já poucos restam do tempo em que o medo dava lugar à esperança.
Mas, desse tempo, da esperança, do êxtase do 25 de Abril, da alegria da libertação dos presos políticos, do deslumbramento do primeiro 1.º de Maio, resta a memória dorida dos que partem, a saudade de um tempo que foi exaltante viver, a saudade ora avivada com a morte de Tengarrinha.
Obrigado, Zé Manel.
No início da década de 70 era um dos muitos intelectuais que animavam a Cooperativa da rua Duque de Loulé. Um dia por semana havia uma conferência que era uma aula de formação cívica e política. Ele era um dos que se destacava e dos mais assíduos.
Pereira de Moura, Carlos Carvalhas, Sérgio Ribeiro, Lino de Carvalho, Sottomayor Cardia, Hugo Blasco Fernandes, Ana Maria Alves, Urbano Tavares Rodrigues, Lindley Cintra, Vítor Santos, César Oliveira, Nuno Brederode Santos e muitos outros eram presenças assíduas.
Foi ali que que os touros da ganadaria do capitão Maltez Soares, a polícia de choque de Lisboa, nos atacaram enquanto destruíam o recheio e os sócios em fuga eram marcados com tinta azul de metileno, lançada pelos carros de água da polícia, sob pressão.
Tengarrinha ia lá quase todas as noites e lá estava quando, a mando do governador civil Marchueta, fomos espoliados da nossa Cooperativa e agredidos. Era um conversador cativante e excelente comunicador.
Aqueles companheiros davam o ânimo que era preciso para resistir. Apareciam em todo o lado, no cineclube Imagem, a ensinar a ver cinema; a comemorar o dia Internacional da Mulher, no palácio do Marquês da Fronteira, o democrata a quem os republicanos mantinham o título nobiliárquico; no funeral do Ribeiro Santos, assassinado pela Pide; nas manifestações contra a guerra colonial; na dinamização do recenseamento eleitoral; na criação da nova cooperativa, Esteiros, na rua Braamcamp, onde o 25 de Abril não deu tempo à ditadura para a destruir. Após essa gloriosa data, partiram para os partidos políticos, incluindo o MDP/CDE, cujo palácio do Movimento Nacional Feminino, na Rua Artilharia 1, passou a ser a sua sede e onde o Zé Manel Tengarrinha foi presidente da Comissão Central.
Não sei se a memória me prega alguma partida, e foram tão exaltantes os anos em que tive o privilégio do convívio e da amizade de Tengarrinha que, agora, uma hora depois de me cair no computador a notícia da sua morte sinto que já poucos restam do tempo em que o medo dava lugar à esperança.
Mas, desse tempo, da esperança, do êxtase do 25 de Abril, da alegria da libertação dos presos políticos, do deslumbramento do primeiro 1.º de Maio, resta a memória dorida dos que partem, a saudade de um tempo que foi exaltante viver, a saudade ora avivada com a morte de Tengarrinha.
Obrigado, Zé Manel.
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