A deriva reacionária das Igrejas e a extrema direita_2


A deriva reacionária da Europa tem na religião uma das suas fortes componentes. Não sendo a única, é especialmente relevante.

Em Itália, Salvini tem o apoio da maioria dos católicos praticantes, e dos bispos que se opõem ao Papa. Salvini, o mais poderoso político italiano e cada vez mais abertamente fascista, ordenou ontem a realização de um relatório sobre os acampamentos de ciganos no país para localizar aqueles que estão ilegais e “preparar um plano de desalojamento”, lamentando que talvez tenham de ficar os nascidos em Itália.

Na Rússia, o clero ortodoxo apoia o autoritarismo de Putin que, por sua vez, apoia os partidos populistas e de extrema-direita da UE, com quem tem afinidades ideológicas.
Na Polónia e Hungria, tal como na década de 30 do século passado, a Igreja católica, em surdo confronto com o Papa, é o sustentáculo e promotor dos líderes que desrespeitam os direitos humanos e fazem da democracia uma caricatura.

Aqui ao lado, em Espanha, depois de alguns anos de vergonha e relativo silêncio, nota-se a nostalgia clerical de Franco, indiferente às centenas de fuzilamentos do genocida e ao seu silêncio ou apoio deliberado, com o seu ativismo favorável à exaltação de Franco e contra a exumação do Vale dois Caídos.

Em relação à igualdade entre homens e mulheres, à autodeterminação sexual da mulher e à sua saúde reprodutora, bem como à falta de respeito pelas liberdades individuais, os bispos voltaram a ser a voz da reação, os guardiões da Falange e os ideólogos da moral que querem impor, indiferentes à dignidade individual e aos direitos humanos.
O arcebispo de Burgos, Fidel Herráez Vegas, em carta publicada nas páginas da Internet da diocese e do Opus Dei e no Diário de Burgos, pede às vítimas da violação, mulheres, claro, que resistam “até à morte” para preservarem a castidade.

Carlos Osoro, cardeal arcebispo de Madrid, sucessor do cardeal fascista Rouco Varela, defende que os “donos da vida” não são os homens, só Deus e, portanto, quem tem a capacidade de dar e tirar a vida, esquecido do silêncio unânime dos bispos espanhóis perante centenas de milhares de fuzilamentos de Franco, depois da vitória contra o governo legal.

Esta posição surge quando está a ser julgado o marido de María José Carrasco, acusado de delito de cooperação no suicídio da mulher, doente com esclerose múltipla, dores intoleráveis e enorme degradação física.

Os bispos, como todos os cidadãos, têm o dever de defender o direito à vida, embora careçam de autoridade moral, o que não têm é o direito de a impor quando já não há esperança e essa vida se torna um fardo insuportável, contra a vontade de quem a sofre.

Oonte Europa / Sorumbático

Comentários

e-pá! disse…
Não há uma alteração dos padrões e regras sociais e comportamentais, mecanismos adaptativos às novas realidades da vida em comunidade, que não surjam as igrejas - todas, mas mais encarniçadamente as monoteístas - a agitar os preceitos dos seus respetivos 'livros'.
No caso da ICAR é verdadeiramente escandalosa a recorrente remissão da interpretação dos modos de vida pelo Antigo Testamento que, como exemplarmente o definiu Saramago, não passa de 'um manual de maus costumes'. Quando se olha para a hierarquia eclesiástica, no que diz respeito ao catolicismo, a pergunta que se levanta é se não existe uma surda tentativa de regresso às conceções tridentinas. Conceitos estes que regularam, durante séculos, a vida do Mundo, e só seriam afrontados pela Reforma de Lutero e Calvino (dita 'protestante').
Ora, sendo o nosso País um dos que 'fugiu' à Reforma, mas 'alinhou' numa sangrenta 'Contra-Reforma' seria bom questionar de que modo e os meios em que a deriva populista europeia (e mundial) acabará por chegar cá.

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