Podemos? Não, não ‘Chega’…


Na edição de sábado (6 de Julho 2019), pág. 9, o jornal 'O Público' deu à estampa um artigo de opinião sob o título “Podemos? Não, não podemoslink da autoria da historiadora Maria de Fátima Bonifácio que suscita, em qualquer cidadão, várias reações. Desde a incredibilidade à mais viva repulsa.
 
O assunto do citado artigo gira à volta da proposta do PS sobre uma eventual ‘discriminação positiva para as minorias étnico-raciais’. É óbvio que sobre este assunto podem - e devem - existir múltiplos posicionamentos. Esta prerrogativa faz parte da liberdade de expressão e de pensamento existente no País.  E é no exercício dessa prerrogativa – que aplica a todos – que pretendo exprimir a minha indignação sobre o conteúdo deste texto.
 
O artigo está recheado de posturas e argumentações baseadas em desaforos xenófobos e racistas pretensamente justificativos de segregações étnico-rácicas e de exclusão social, que não vou citar. A este propósito devo referir o editorial de Manuel de Carvalho (diretor da publicação), publicado no Público, sob o título “A propósito do texto de Maria de Fátima Bonifáciolink que tenta repor (e encaixar) a publicação deste artigo de opinião na linha editorial do referido jornal.
 
No texto de M. Fátima Bonifácio o grande tropeção nas liberdades (latu sensu) provém de uma afirmação que não pode deixar de suscitar perplexidade (provem de uma historiadora) e, simultaneamente, a mais veemente repulsa. Quando M. Fátima Bonifácio escreve, referindo-se aos ciganos e aos africanos, que “Nem uns nem outros descendem dos Direitos Humanos decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789” entra-se num terreno que ultrapassa o da historiografia para entrar no vasto campo das Humanidades.
 
A Revolução Francesa não existiu exclusivamente para os franceses, nem sequer para os europeus. A Revolução foi (e continua a ser) património da Humanidade e o Mundo Moderno (e não somente o dito 'Ocidente cristão') começa aí e todos – todos os humanos - somos descendentes dessa iluminada saga libertadora e, portanto, todos somos herdeiros naturais dessa vitoriosa Revolução.
Se a mesma não chegou, de imediato, às estepes da Europa do Leste, dos Balcãs e do subcontinente indiano onde povos nómadas deambulavam para fugir à escravidão ou aos territórios do continente africano que em nome de uma espúria dilatação da Fé e do Império, foram intensamente escravizados e espoliados das riquezas naturais, a culpa não pode recair sobre estes povos mas sobre aqueles que se julgavam os paternais detentores da ‘civilização’ e arautos de imperiais razões.
 
A ideologia da Revolução francesa – isto é o Iluminismo - não excluía ninguém (considerava que todos os homens nascem livres e iguais), mas as exclusões existiram por múltiplas motivações umas expansionistas e outras subjugadoras e devem ser, liminarmente, imputadas a outrem (que não os ciganos e os africanos). Por exemplo, (e isto é um alvitre que merecia outro tipo de abordagem e discussão) podem estar sedeadas no conceito dominador da tal entidade civilizacional e cultural que a autora taxativamente refere no seu texto como ‘Cristandade’.
 
Julgo que a Doutora M. Fátima Bonifácio neste artigo, que assina como historiadora - que o é de facto -, provavelmente oculta um outro propósito: escreveu este arrazoado político populista e anti-social na efémera qualidade de ideóloga do novel partido de André Ventura – o ‘Chega’.

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