A UE e os bloqueios regionais…


A imagem que o Conselho Europeu está a transmitir aos cidadãos europeus, na indigitação para os altos cargos das instituições europeias, é verdadeiramente deplorável.

A ‘feira de interesses’ instalada e os conflitos internos remanescentes que intersectam várias ‘famílias partidárias’ fazem-nos remeter para as razões da elevada taxa de abstencionismo nas eleições europeias.

O Conselho Europeu tem a obrigação de propor nomes ao Parlamento Europeu (PE) a partir uma leitura objetiva, não facciosa e abrangente dos resultados eleitorais. Neste momento parece não existir esta capacidade de discernimento.
O impasse que infestou as reuniões do Conselho Europeu era previsível. Os resultados eleitorais não criaram maiorias estáveis. O resto está inerente ou em conexão com a história contemporânea da Europa.

Nas negociações do Conselho Europeu nada se ouviu sobre os projetos políticos dos putativos candidatos o que vem agravar o ‘deserto de ideias europeias’ que caracterizou a campanha eleitoral para o PE realizadas em Maio passado e que foi dominada (contaminada) por questões nacionais e norteada pelos (des)equilíbrios regionais que já se estendem para além (ou fora) da ‘clássica’ dicotomia Norte/Sul.
No presente são visíveis linhas de fratura múltiplas (comunitivas) e a fragmentação passa por novas e larvares dissensões, por exemplo, entre Este e Leste europeu de que o denominado ‘grupo de Visegrado’ é um dos expoentes, mas não o único ‘problema’.

Neste ponto (referente ao grupo de Visegrado), interessaria regressar à evolução do projecto europeu e questionar se a presente crise reflete as remotas consequências da queda do muro de Berlim que representou um telúrico abalo no Continente e continua a exibir ‘réplicas políticas’ sucessivas e a influenciar o futuro.
É necessário entender a génese do ‘grupo de Visegrado’ (não a histórica reunião de 1335 mas a contemporânea) e como estes países, partindo de uma associação facilitadora da integração europeia dos ex-países da denominada ‘órbita de influência soviética’ (Hungria, República Checa, Eslováquia e Polónia), adotaram progressivamente modelos políticos populistas, iliberais e ultranacionalistas que enfrentam o projeto europeu na sua essência (não vamos estendê-lo até ao federalismo).
Fica a sensação de que os países de Leste encetaram um programa de exorcismo sobre o seu passado recente abjurando tudo o que cheire a Esquerda (seja comunista, socialista ou mesmo social-democrata).

O primeiro impacto desde grupo criado em 1991, isto é, na sequência (imediata) da derrocada da URSS, sob os auspícios de Václav Havel da então Tchecoslováquia, Lech Walesa da Polónia e József Antall da Hungria e viria a definir acordos de cooperação para estimular as áreas cientifica, cultural e comercial (e mais recentemente militar) entre estes Estados de maneira a consolidar a libertação da denominada ‘cortina de ferro’ acelerando, em paralelo, um enfático ‘retorno à Europa’.

Em 1999 os membros deste grupo (à exceção da Eslováquia) aderem à NATO e este é o primeiro passo evolutivo que será determinante no contexto internacional no âmbito de uma organização militar que é o braço armado do Ocidente contra o resto do Mundo.

Em 2004 os 4 países de grupo de Visegrado aderem à União Europeia sendo este o momento auge do processo de ‘regresso à Europa’. Este retorno não foi tranquilo e a aliança regional (primeiro geográfica, depois ideológica) tem um percurso verdadeiramente controverso já que depois da adesão à UE prossegue a atividade de bloco regional apostada, na prática, em deteriorar (torpedear) qualquer mecanismo unificador da Europa. 
 
Graves distorções do sistema democrático como as questões relacionadas com a liberdade de imprensa e a separação de poderes associadas à crise dos refugiados, trouxeram ao de cima variadas dissonâncias entre o grupo e a União. Estas questões não foram resolvidas no seio da UE (procedeu-se a um simulacro de autocomiseração) que se mostrou incapaz de implementar o artigo 7º. do Tratado da União nomeadamente em relação às  repetidas violações democráticas praticadas na Hungria de Orbán.

Hoje, esta complacência - a que não é estranha o domínio do PPE nas instâncias europeias - está a ser paga com custos elevadíssimos. A solução de compromisso saída a ferros das últimas reuniões do Conselho Europeu padece de uma impressionante fragilidade não havendo garantias de que sobreviva aos desenvolvimentos resultantes da sua submissão ao plenário do Parlamento Europeu, tendo em consideração a sua atual e fragmentária composição.

Este quadro é, todavia, muito mais complexo. O grupo de Visegrado não é o único agrupamento regional no contexto europeu, nem estes se cingem a áreas geográficas. A associação da Itália (um dos países fundadores da UE) as reivindicações do grupo de Visegrado mostra como o cantonamento ideológico entrou na liça.
Existem outros grupos – todos com interesses específicos e motivações diversas (ideológicas) – que, em momento próprio, trarão à superfície as contradições inerentes e ainda ocultas capazes de travar os avanços no projeto europeu. São os exemplos do BENELUX (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), do Conselho Nórdico (Suécia, Dinamarca, Noruega, Islândia e Finlândia), as reminiscências prussianas do antigo Império Alemão (reativadas com a reunificação) e ainda as questões do BREXIT, oriundas dos resquícios do velho Império Britânico.
 
Todo este enquadramento de alianças regionais origina uma multitude de bloqueios e merece uma análise especifica (que não cabe neste post).

Resumindo:
A UE  está confrontada com enormes dificuldades à volta de problemáticas situações e o processo de escolha e nomeação dos titulares de altos cargos políticos europeus será a ponta visível do iceberg. O que permanece submerso será devastador e, pior, assustador.  Resta saber se a UE tem políticos à altura desta complexidade.

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