LEI DE BASES DA SAÚDE - Um saudável acordo para a saúde dos portugueses…
O acordo alcançado na sexta-feira envolvendo toda a Esquerda no que diz respeito a uma nova Lei de Bases da Saúde tem um enorme significado político.
A votação que ocorrerá dentro de dias na Assembleia da República vai-lhe conferir uma expressão ainda maior, embora seja de prever que neste intervalo a Direita tente desvalorizar o seu âmbito. Na verdade, acabará com os malabarismos tecidos pela Direita à volta de fantasiosos e beneméritos custos-benefícios (PSD) e de enviesadas sustentabilidades (CDS).
Quando se votar a nova Lei de Bases da Saúde (LBS) a Direita vai ser remetida para a ‘posição natural’, isto é, a que teve em relação à Lei 56/79 que instituiu um serviço público universal, equitativo e gratuito (…agora ‘tendencialmente’) e consagrou o direito dos cidadãos à protecção da saúde.
Na altura, a Direita votou contra e no presente terá a mesma postura porque os fundamentos ideológicos a regem, embora com alterações de circunstância, são os mesmos.
As PPP - que eram o núcleo duro da proposta do PSD para a nova Lei - foram desde o início deste século o instrumento para a progressiva ‘desnatação’ do SNS em recursos humanos e não introduziram formas inovadoras de gestão nem revolucionaram a resposta.
Abriram-se através das PPP os cuidados de saúde, nomeadamente os hospitalares, ao mercado concorrencial como sendo o suprassumo da sustentabilidade do SNS (o que choca manifestamente com o caracter universal do serviço público de saúde).
A inovação (que não é nova) é o investimento privado fazer-se com a assunção dos riscos por parte do sector público. Mais um ‘negócio leonino’ que os portugueses conhecem e dispensam.
Convém a Esquerda não embandeirar em arco. A aprovação da nova Lei de Bases da Saúde não vai solucionar todos os problemas com que atualmente se debate o SNS, mas tem no seu seio a retoma de conceções definidoras do sistema de saúde português que derivas sociais-liberais posteriores estavam apostadas em perverter e, por outro lado, fornece aos decisores políticos meios para desenvolver o serviço público.
É nas características desse sistema que não deve ser só de responsabilidade (financeira) pública mas antes de gestão pública que se encontram na essência os propósitos de perceção política, programáticos e de intervenção social na área da Saúde. Foi também no conciliar de divergências, mais tácitas do que doutrinais, que se geraram as dificuldades avindas de uma paulatina transformação deste sector num ‘mercado’ da Saúde (promovidas pela legislação cavaquista de 1990 e o ‘retoque barrosista’ de 2002) e que causaram engulhos e incómodo (mesmo algum ‘frisson’) entre os partidos de Esquerda para construir e acordar uma nova Lei.
A Direita na falta de incêndios a granel que secretamente deseja, para proclamar aos 4 ventos que o Estado falhou, ‘malha’ diariamente no SNS, estrutura social que procurou debilitar ao longo de toda a sua existência, mas mais denodadamente em 2011 e 2015, e esconde sistematicamente as consequências desta opção ideológica que emergem, ao retardador, todos os dias.
Neste momento, a nova LBS é tão-somente um instrumento político e orientador de reestruturação, da reanimação e de concordância que o modelo conceptual do SNS, está a necessitar. De imediato, é capaz de fornecer meios para estancar a sangria que se verifica num velado quadro concorrencial que se revelou autodestrutivo para o sector público. A partir deste pressuposto o País precisa, para futuro, de vontade política e competência para implementar boas práticas de gestão tendo como finalidade obter boas respostas.
O absurdo foi a situação vivida até aqui em que forças partidárias desde sempre oponentes à criação do SNS, quando temporariamente disfrutaram de maioria parlamentar, encarregaram-se de criar uma Lei de Bases (aprovada contra os partidos 'criadores' do serviço público). Mais absurda é ainda a postura do Presidente da República que defende para a revogação uma Lei tecida por uma maioria simples (do cavaquismo) necessita para ser revogada de uma ‘maioria qualificada’ (para além da Esquerda).
Daqui para a frente passam a existir meios normativos basilares e esperemos que condições políticas objetivas para melhorar a proteção da saúde dos portugueses. Faltará executá-las com saber, coragem, eficiência e dignidade. É esse o desafio que recai sobre a Esquerda.
Por fim, a votação da nova Lei de Bases que surge no final da legislatura é um bom contributo para esclarecimento de uma das importantes situações que vão ser escrutinadas em Outubro.
Fora dos malabarismos contabilísticos (que não tardarão) e das chicanas políticas (já em curso) os portugueses ficarão a saber no decurso da discussão e votação do diploma o que defendem os diferentes partidos em relação a um serviço público de saúde que abranja todos os portugueses.
É este o 'terror' que vai contaminar a Direita face à nova Lei de Bases da Saúde mas cujo disfarce será muito difícil.
Comentários
Obrigado, e-pá.
O Dr. Arlindo de Carvalho tardou mas acabou por encontrar o 'lado certo da história'.
Não foi no exercício das funções de ministro da Saúde do XI e XII governos constitucionais de Cavaco mas alguns anos mais tarde (2018) por estar envolvido numa outra história do cavaquismo (BPN), acabando condenado a 6 anos de prisão por burla qualificada.
A Lei de Bases da Saúde de 1990 foi - o distanciamento histórico permite-nos acreditar - muito concretamente uma burlesca descaracterização do SNS com as consequências que estão à vista.