A mal-amada democracia liberal – escrevendo ao correr das teclas
Há quem pense ingenuamente que a democracia é a forma de
Governo mais apreciada, que as ditaduras são detestadas e os direitos humanos
generalizadamente estimados.
Em períodos de crise, e as crises são cíclicas, a democracia
é a última das preocupações e a primeira vítima. As ditaduras são antigas e
recentes as democracias. A opção pelas primeiras não está demostrada e os
totalitarismos não nasceram no século passado. O alegado direito divino foi a
regra, interpretado ao sabor dos interesses de quem, em cada época, deteve o
poder.
As monarquias absolutas foram um regime incontestado em
Portugal até ao ‘vintismo’, período que começou há duzentos anos, no último ano
da segunda década do século XVII e que vigorou, com algumas ditaduras
intermédias, sendo a mais trágica a de João Franco, escassos 90 anos. E não
estou certo de que o miguelismo, caceteiro e sangrento, não fosse preferido à
Constituição de 1820 e à Carta Constitucional.
Não é habitual os democratas serem chorados pelo povo, mas é
normal o histerismo que rodeia a morte de ditadores sanguinários, de líderes
religiosos violentos e assassinos, de déspotas que deixaram desolados os povos
que oprimiram, com a sua falta. Recorde-se a multidão embrutecida pela fé,
alienada pela teocracia, no funeral do aiatola Khomeini, em 6 de julho de 1989,
com milhões de iranianos em pungente desespero.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é recente e não
mereceu o aplauso de um único dirigente religioso. Ao longo da História foi
mais simples aceitar a escravatura do que a liberdade individual, a monarquia
absoluta do que a liberal, o poder hereditário do que o sufrágio universal, o
colonialismo do que a autodeterminação, a hegemonia do homem à igualdade entre
homens e mulheres, a autocracia à democracia.
As religiões são tanto mais apetecidas quanto mais violentas
e intimidantes. Compare-se o catolicismo humanizado de Francisco com o
islamismo vaabita, a atração pelos talibãs e o desprezo pelos defensores da paz
e da tolerância. As próprias guerras movem mais pessoas do que a defesa da paz,
e só os mortos e estropiados levam a curtos períodos de reflexão e repulsa.
É fácil puxar as cordas sentimentais do nacionalismo, apelar
aos valores de um passado reescrito à medida de cada época, empolgar os néscios
com alegados feitos históricos e convencer os incultos da grandeza que herdaram
e do orgulho tribal que devem cultivar.
O salazarismo foi popular e teve ampla adesão. A democracia
só foi amada enquanto se sentiu o alívio da guerra colonial e da repressão,
apesar de ser o maior período de paz, desenvolvimento e avanço civilizacional
de que há memória em Portugal.
Já poucos apreciam o aumento de quase vinte anos de
esperança de vida, a melhoria da saúde e a mudança do país de 30% de
analfabetos e da 4.ª classe obrigatória, para 11 ou 12 anos de escolaridade e
cerca de 40% com formação universitária.
Enfim, não ocorrem por acaso o retrocesso civilizacional e o
nacionalismo, com poucos a defenderem a liberdade que os capitães nos
ofereceram numa madrugada de Abril.
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