O pensamento ignóbil de um deputado do CDS


Da discussão do estatuto do Antigo Combatente, sobre o qual me pronunciarei quando a AR o definir, retive uma frase do deputado Telmo Correia:

«O antigo combatente é quem serviu a pátria, quem honrou a nossa bandeira, quem esteve exposto a situação de risco, quem não desertou e quem não traiu».

Telmo Correia não sofreu a guerra e, na definição de «antigo combatente», nota-se a nostalgia colonialista, o apoio à guerra, a indiferença pelas vítimas dos movimentos de emancipação e a raiva a quem não quis morrer numa guerra injusta, inútil e criminosa.

O deputado do decadente CDS traz à memória a definição do grande humorista e desenhador, José Vilhena, que no dicionário cómico define ‘Patriota’: “o indivíduo que ama a sua pátria, não confundir com nacionalista, que ama também a pátria dos outros.”.

O deputado nacionalista, que ignora o que foi ver morrer camaradas, perder um soldado afogado nas águas revoltas do Zambeze, desaparecido sob a jangada que o transportava com centenas de outros militares, que não ouviu o ruído de um disparo de bazuca que, do corpo, deixou apenas as ancas e pernas de um amigo, que ignora que foi maior a coragem de quem desertou do que a de quem, como eu, ficou, o deputado atreve-se a chamar traidor a quem recusou integrar o exército de ocupação a que a ditadura obrigou.

Falar em quem esteve exposto a situações de risco, é ignorar os mosquitos, a matacanha, a água inquinada, os alimentos estragados, o medo, a angústia e a raiva de quem pagou o tributo de viver em ditadura com mais de quatro anos de vida sacrificada.

Há uma dívida, sobretudo para quem vive em condições precárias, pelo sofrimento que atingiu a minha geração, mas considerar serviço à pátria a opressão a pátrias alheias, e honrar a bandeira quem adiou a bandeira de outras pátrias, é reescrever a história e absolver a ditadura fascista. É chamar heróis às vítimas da guerra, enquanto não pode chamar traidores aos heróis que lhe puseram termo numa madrugada de Abril.

Como antigo combatente, com 4 anos e 4 dias de serviço militar obrigatório e 26 meses de guerra colonial em Moçambique, repudio, pelos que morreram inutilmente, pelo Dias que uma Berliet esmagou, pelo Moura que o rio Zambeze tragou, pelo Martins que a granada de bazuca despedaçou, pelos mortos do Catur, Massangulo, Malapísia e Leone, pelos 7481 mortos, 1852 amputados e 220 paraplégicos de três teatros de guerra, a definição fascista de quem não critica a ditadura, e considera que traiu quem desertou.

A reescrita da História é a via por onde circula a canalha fascista nostálgica das colónias e os que não viveram o drama da guerra. À força de repetirem as mentiras, as vítimas da ditadura hão de julgar que era a Pátria que defendiam e não o regime que as oprimiu.

Um milhão de refugiados das colónias, com o sofrimento, perda de bens e traumas com que fugiram, bem como os mortos do outro lado, deviam merecer respeito de quem faz julgamentos gratuitos da tragédia da guerra colonial, para os povos de Portugal, Angola, Moçambique e Guiné.

Há vítimas que nunca poderão ser ressarcidas, os mortos e, desses, sobretudo os pais e irmãos dos que partimos no tempo que por lá sofremos.

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