Portugal – O direito à eutanásia

O debate sobre a eutanásia é uma inquietante discussão sobre princípios e valores que a sociedade já devia ter esgotado e absorvido, e o ordenamento jurídico acolhido.

A capacidade de prolongar a vida de forma artificial torna pungente o drama de quem é incapaz de suportar uma vida sem esperança, onde o sofrimento e o desespero são o que resta no horizonte inevitável da finitude.

O respeito pelos direitos individuais e pela dignidade humana mudaram as pessoas. Foi um processo lento que não acompanhou a rápida secularização, umas vezes por cálculo político partidário e outras por preconceito e hipocrisia de pessoas, a que não era alheio o ativismo religioso.

A vida é um direito inalienável, mas não é uma condenação sem recurso, um laboratório de encarniçamento médico ou de sadismo ideológico. A morte é um direito individual que não pode ser plebiscitado, ideologicamente orientado ou dependente da vontade dos legisladores. Estes apenas devem prevenir a imprudência, os riscos de crime e enquadrar as circunstâncias e a forma de aceder à eutanásia.

Em Portugal, durante muitos anos, as palavras eutanásia e morte, pareciam ser obscenas. A discussão pública exigiu reflexão, alheia a quem minguam dúvidas e sobram certezas, sob o apodo de assassinos, de beatos que reprovavam os que ousavam discutir assuntos dolorosos e dramáticos, à espera de que a Idade Média refulgisse em apoteose por entre fogueiras, torturas e banimentos.

Foi neste caldo de cultura que ganhou relevância a afirmação de João Lobo Antunes, neurologista, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e mandatário nacional de Cavaco Silva na última candidatura presidencial:

«Há situações em que acho que a devia ter feito [eutanásia]».

Há mais de uma década, segundo um inquérito então publicado, 24% dos oncologistas fariam eutanásia se fosse permitida, e 39% defendiam a sua legalização. Os oncologistas são os médicos que melhor conhecem o paroxismo da dor nos doentes e a crueldade de lhes prolongar o sofrimento inútil.

Os ressentidos habituais são incapazes de respeitar a vontade alheia, possessos de uma pulsão totalitária que impõe aos outros as legítimas convicções próprias que os outros lhes respeitam. Merece tanto respeito quem recusa a eutanásia para si como desprezo quem a quer impedir aos outros. Não se pode confundir um direito com a obrigação.

A eutanásia já se encontra legislada em países civilizados que têm pela vida e bem-estar das pessoas mais respeito do que os que os que confundem os direitos individuais com a imposição coletiva dos seus preconceitos.

A experiência de vários países europeus é uma boa referência para a legislação que esta legislatura vai produzir. É uma exigência cívica de respeito pelos direitos individuais.

Comentários

Unknown disse…
A solução só pode ser facilitar o suicídio. Criar kits de suicídio, fáceis de usar por quem deseja morrer. Fáceis de usar sem deixar culpados para além da própria vítima.

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