Giordano Bruno – Há 420 anos (17 de fevereiro de 1600)

Enquanto os padres se afadigam em missas de ação de graças para que Deus impeça os deputados de matarem velhinhos, celebra-se hoje, em pio silêncio, o 420.º aniversário da cremação em vida de Giordano Bruno. Ao contrário da eutanásia, a morte pelo fogo não era pedida por quem a sofria, e era obrigatória para quem a não pedia.

Era o tempo do 8.º Clemente do Vaticano, homólogo do antipapa com o mesmo número e nome, quando a Santíssima Inquisição, alarmada com a teimosia do herege em renegar a teoria heliocêntrica, a existência de outros mundos e a dúvida sobre a natureza divina de Jesus Cristo, decidiu a sua morte na fogueira purificadora.

Filósofo, matemático e teólogo, defendeu com exemplar coragem e convicção as ideias que tornava absurdos os dogmas, néscios os padres e ignorante a sua Igreja. Que podia esperar um filósofo que considerava infinito e inacabado o Universo cuja perfeição era a maravilha do Deus dos senhores padres inquisidores?

Era ousado, Giordano Bruno, um exemplo de amor à ciência e um caso raro de coragem perante o sadismo da Inquisição. Ao filósofo italiano, escritor e religioso, excomungado por protestantes e católicos, foi-lhe imposto ouvir de joelhos a sentença que o condenou à fogueira na presença de uma multidão ululante. Há algo mais estimulante para a fé do que queimar vivo um livre-pensador? E mais angustiante para os inquisidores do que o atrevimento do réprobo a afirmar perante os santos algozes, “Talvez sintam maior temor ao pronunciar esta sentença do que eu ao ouvi-la”.?

O cosmólogo considerava o Universo infinito e inacabado, como se Deus tivesse criado uma porcaria à espera de remendo, e contrariava os mestres escolásticos, que ensinavam que, se a Terra se movesse, as nuvens ficariam para trás, as folhas mortas voariam sempre para o mesmo lado e a pedra caída do alto de uma torre afastar-se-ia sempre da sua base. Haveria maior herege e heresia maior do que tais afirmações?

O cardeal Belarmino seguiu o processo onde a heresia e a blasfémia eram tão evidentes que a queima do herege foi saudada pelas almas dos bem-aventurados para quem a ignorância e a fé eram condição essencial para a salvação da alma. Acabou canonizado. Só o sofrimento é purificador.

Hoje, 420 anos após o auto-de-fé, permanece de pé a estátua em sua honra, num desafio ao Vaticano de onde numerosos papas, com incontida azia, quiseram derrubá-la.

Na praça onde foi imolado, onde peregrinam devotos da ciência e do livre-pensamento, ergue-se uma estátua em sua honra, na única praça de Roma sem igreja, onde a ciência é venerada em pedra e bronze, materiais mais perenes do que a metafísica.

Ir a Roma sem procurar a estátua de Giordano Bruno, é como ir a Paris e ignorar a Torre Eiffel.

Comentários

joao pedro disse…

Sempre com oportunos esclarecimentos, sem prejuízo de algumas, poucas, discordâncias

João Pedro
Luis M. Cardoso disse…
Celso, um filósofo grego do sec. II, bem como Galeno, Damáscio, Demócrito e tantos outros, descrevem nas suas obras que restaram depois de sucessivas tentativas de destruição total, o que foram os primórdios absolutistas e selvagens do cristianismo, e o inicio silencioso da Santa Inquisição, desde que o imperador Constantino decidiu de forma oportunista e astuta adoptar o cristianismo como religião oficial e única do império, até aos nossos dias.
" olhai que vos dou poder para pisar aos pés serpentes e escorpiões e domínio sobre todo o poderio do inimigo " Lucas 10:19.
Caro Carlos Esperança; um grande BEM-HAJA pela vossa existência e perseverança, mas nada de ingenuidade para com quem usa de tamanha e ardilosa astucia. Há dois mil anos que andam por aí e há quem diga que são a mais antiga multinacional neste "santo planeta".
Luis Manuel 19 Fev 2010
Luís M. Cardoso:

Conheço a multinacional da fé desde tenra idade e deixei de ser freguês há 63 anos.

Em Portugal, os padres têm cada vez menos clientes e cada vez mais força.
Luis M. Cardoso disse…

Essa força já não vem da fé como em tempos absolutistas, agora vem essencialmente do poder económico que acumularam como toda a bem gerida multinacional. Veja-se o caso de Itália em que detêm alegadamente mais de 30% do património imobiliário geral - presumo que em Portugal será idêntico senão pior.
Deixe-me pois, uma vez mais, saudar a vossa coragem de enfrentar esse gigante de pés de barro mas meios sofisticados e poderosos.
Será que neste debate aberto sobre a eutanásia como em tantos outros onde a Fé é utilizada como arma de arremesso e silenciadora, se escamoteia o interesse mercantil que existirá em muitas clínicas no sentido de prolongar o sofrimento atroz das pessoas para vender produtos e serviços a que chamam de "carinhos prolongados" que não é mais que lucros escandalosos com a dor dos pacientes e familiares ??. Parece-me óbvio que esta histeria em particular por parte de alguns..., terá eventualmente (?) algo mais para além da fé e dos "direitos humanos".
Um abraço beirão de fora das muralhas e muita força para além da dor.
Luís M. Cardoso:

Retribuo o abraço, de dentro das muralhas.
Fernando Ribeiro disse…
Este comentário foi removido pelo autor.

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