Quo vadis, Portugal?

 Depois da implosão do comunismo, começou a degradação das preocupações sociais do capitalismo, que teve na social-democracia a boa síntese da democracia e justiça social.

Hoje, perdida a memória da década de Trinta do século passado, das ditaduras a que os nacionalismos conduziram o mundo e do sangue derramado, através de demagogos que usaram o ressentimento dos povos como combustível belicista, repetem-se as condições para novas e trágicas aventuras.

Nunca faltaram oportunistas para explorarem a insegurança e usarem a xenofobia como arma contra a democracia que lhes permite combatê-la. A luta contra a corrupção é um mero instrumento de propaganda usado por quem usa a profissão para ilibar corruptos, sem provas da sua própria honradez.

Em Portugal, só quem andava distraído não percebeu que o branqueamento da ditadura e a reescrita da História abriam portas ao extremismo da direita, que retomou a tradição nazi/fascista em propostas políticas que unem marginais do delito comum e nostálgicos do regime clerical-fascista, autodesignado por Estado Novo.

É por isso que a denúncia do salazarismo nunca devia ter sido abandonada. Salazar foi o ditador que deixou o país com mais de um terço de analfabetos, com a obrigatoriedade de apenas 4 anos de ensino primário, com a mais elevada taxa de mortalidade infantil e materno-fetal de toda a Europa e os maiores índices de pobreza extrema.

Legou a censura, a tortura, o degredo, o partido único (UN), os aparelhos de repressão (PIDE, Legião e GNR), a guerra colonial em 3 frentes (Guiné, Angola e Moçambique), os Tribunais Plenários, as perseguições e uma corrupção feita de empenhos para um lugarzinho e os pequenos presentes de um país pobre a agradecer com um cabrito ou um queijinho da serra os favores recebidos dos próceres da ditadura, enquanto o Tenreiro, o Alfredo da Silva, os Melos, o Jorge Jardim, o Soares da Fonseca e numerosos tubarões corporativos amontoavam fortunas num país miserável.

Sobravam os presídios e minguavam as universidades, havia mão pesada para os pobres e benevolência para ricos, prisões para os adversários e sinecuras para os amigos.

A alegada brandura dos costumes ficou bem desmascarada nos assassinatos da Pide nas ruas e nos presídios; na falta de liberdade de reunião, associação ou expressão de ideias; nas prisões arbitrárias, massacres e escândalos escabrosos, proibidos de serem notícia.

O Massacre de Batepá, por tropas coloniais portuguesas em São Tomé e Príncipe, a 3 de fevereiro de 1953, contra homens, mulheres e crianças, assassinou centenas de pessoas desarmadas, com o principal algoz, coronel Carlos Gorgulho, a ficar impune.

Em 1959, a simples greve de estivadores e marinheiros do porto de Bissau, por aumento salarial, foi violentamente reprimida pelas autoridades coloniais, com mais de 50 mortos e de 100 feridos, fora de contexto partidário. Foi o massacre de Pidjiguiti, que originou o início da luta de libertação da Guiné–Bissau.

A repressão aos povos coloniais, referida como defesa da Pátria, tal como a perseguição aos adversários políticos, designada por manutenção da ordem, foram as perversões que condenam a ditadura e todos os que a procuram branquear.

Dos crimes do alferes Robles aos do 1.º tenente Alpoim Calvão, a ditadura preferiu dar-lhes condecorações a julgá-los e, por isso, os numerosos massacres gratuitos sucederam-se sendo o de Wiriamu, póstumo, apenas mais um, entre muitos, conhecido graças aos média internacionais.

É na displicência com que se encara o regime de terror salazarista que reside a audácia com que os novos fascistas se apresentam num processo de intimidação à democracia e na mais refinada desfaçatez contra as instituições e a Constituição da República.

As propostas mais desumanas e os mais ultrajantes ataques aos direitos humanos já se tornaram banais como se a barbárie fosse normalizada no ethos civilizacional europeu. 

Ponte Europa / Sorumbático

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