A liberdade de expressão e a democracia_2
A minha liberdade não acaba onde começa a arbitrariedade dos outros nem a dos outros termina onde começam as minhas idiossincrasias.
A liberdade de expressão tem de estar muito além do que cada
um de nós deseja aceitar aos outros. Não faria qualquer sentido que pudéssemos
impedir o que nos incomoda ou ofende e que a lei consagrasse o direito de não
sermos irritados ou ofendidos.
Todos as correntes filosóficas, religiões, tradições e
crenças podem, e devem, ser objeto de crítica, refutadas, aplaudidas ou troçadas.
Quem conheça a evolução dos costumes sabe quão perigoso seria condescender com as
tradições, crenças e hábitos que passaram de geração em geração.
Desde a antropofagia, escravatura, tribalismo e pedofilia,
até ao advento da civilização, foi longo e penoso o caminho percorrido. A moral
é a ciência dos costumes e podemos dizer que a moral da civilização é
incomparavelmente superior à das tribos patriarcais.
Do criacionismo à ciência, há um longo caminho andado, com
vítimas, cheias de razão, imoladas por algozes vazios de conhecimentos.
Urge distinguir o legítimo combate às crenças do inaceitável
ataque aos crentes. Quem não distingue o combate de ideias do respeito obrigatório
à pessoa humana, mingua-lhe o entendimento para compreender o que é a
tolerância e a liberdade de expressão.
Em 13 de maio de 2008 a Igreja católica organizou a
tradicional maratona pia a Fátima, designada por peregrinação, sob o lema
“contra o ateísmo”. Embora pudesse evitar esse carácter belicista com uma
designação mais suave, não lhe minguou legitimidade. O que não seria tolerável
era uma ‘peregrinação’ contra os ateus.
No caso em referência, combatia-se através do terço, das
velas, missas e procissões uma filosofia. Indefensável seria a perseguição aos
ateus, coisa que as orações, aspersões de água benta, queima de incenso e
sinais cabalísticos, aliviando a consciência dos crentes, não os lesou.
Há pessoas muito sensíveis e incapazes de fazerem a catarse
da violência que herdaram. Não pode ser o Código Penal dos países civilizados a
alimentar a capacidade de desforra e a satisfação do ódio à diferença.
As tradições, religiosas ou laicas, são o alfobre onde
germina a identidade comunitarista e a fogueira onde se incineram as aspirações
cosmopolitas e a convivência multicultural.
O Estado deve ser neutro para garantir o direito à diversidade
e impedir a tribalização de minorias que se tornem violentas e perigosas para a
civilização. Só existe democracia se forem assegurados os direitos das minorias
e imposto o respeito destas.
Ponte Europa / Sorumbático
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