A discussão do programa do Governo na AR

Ai de nós se não houvesse oposição, se o poder discricionário de um partido, fosse qual fosse, se convertesse em partido único, de que Portugal tem dolorosa memória.

Faz falta, aliás, uma oposição de esquerda com maior representatividade parlamentar, vozes que interpelem o Governo e sugiram alternativas viáveis às suas propostas. O que não é sério é propor despesas sem cuidar das receitas, procurar reconquistar votos com propostas demagógicas e utópicas.

Temos, é certo, Constituição, Tribunais independentes e liberdade de imprensa, com os media dominados pela oposição de direita, mas a oposição parlamentar é tão essencial à democracia como é prejudicial a oposição de cuja liderança se encarrega o PR.

O que não se pode exigir é o que se sabe não poder ser dado. Não é verosímil que algum partido possa ganhar votos a disputar a fasquia do vencimento mínimo ou o campeonato da distribuição de benefícios, quando às sequelas da pandemia se junta a guerra na Europa.

Teme-se que milhares de portugueses fiquem sem emprego, que a pandemia continue, os hospitais falhem, a economia regrida e a despesa pública aumente com as receitas a encolherem, o défice a disparar e a depressão coletiva agravar-se antes das convulsões sociais.

Foi neste quadro que vi hoje a deputada Catarina Martins a manter o mesmo entusiasmo com que pediu, nas campanhas eleitorais, retirar a maioria ao PS, em Lisboa e no País, agora na vanguarda das reivindicações. Se é esse o único programa do BE acaba por ser a líder do partido cujo inimigo principal é o PS. Não tem programa, tem um ódio de estimação. Não lidera um partido, arrasta-o para a irrelevância. É pena.

Lamento que se mantenha atual o texto premonitório que escrevi em 27-11-2020:

«OE-2021 – As lideranças imaturas do PSD e BE

Este foi o último Orçamento de Estado aprovado ao Governo no último ano completo que cumprirá na legislatura. O Governo vai cair no primeiro OE que apresentar quando for possível a dissolução da AR. E a geometria partidária alterar-se-á substancialmente.

O Bloco de Esquerda perdeu a compostura e o tino, entrando pela porta da chantagem e saindo pela janela da vingança. Não quer ser Governo, quer a Revolução Permanente, i. e., a tagarelice permanente. Escuso de citar o autor. Prefere o palco ao poder.

Sabendo que a AR não pode ser dissolvida até 9 de setembro de 2021, esforçou-se para deixar um governo de gestão, indiferente às consequências da gestão por duodécimos e sem capacidade política. Foi o único partido de esquerda a votar contra o OE-2021.

O BE decidiu a revolução socialista com a avaliação da correlação de forças feita pelo campesinato universitário e o operariado dos doutorados.

O PSD sacrificou os interesses do País, sabendo que terá um PR de direita a facilitar-lhe a gestão dos destroços.

 [“Novo Banco? Quando o Governo quiser transferir dinheiro, terá que apresentar um Orçamento Retificativo”.] (Rui Rio)

Rio sabe que não é questão de querer, é um compromisso de Estado. Não votou contra o Orçamento do PS, votou contra os compromissos do Estado português e a confiança no sistema bancário. Viabilizará um Orçamento retificativo – disse –, após causar prejuízos insanáveis ao País, pondo o Banco Central Europeu em alvoroço e as agências de rating a salivar. A segunda edição do PEC- 4 teve nele o clone de Relvas & Passos Coelho. Perdeu a bússola nos Açores e navega agora ao sabor do vento.

O debate do OE-2021 foi uma corrida entre quem conseguia aumentar mais a despesa do Estado, num país arruinado pela pandemia. Foi péssimo o exemplo partidário que acabará por se virar contra os mais reivindicativos e indiferentes às exigências de uma situação sem precedentes.

(…)

Calar a revolta é uma forma de cumplicidade com quem, na minha opinião, contribuiu para o descalabro que se avizinha. Quando alguma esquerda prefere a pior direita, haja alguém dentro dela que a obrigue à autocrítica.»

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