Assim vai a Europa_2 – Alguns comentários sobre o presente e preocupações sobre o futuro
O ambiente malsão que ora se vive já não é entre adversários, é entre correligionários; entre os que veem justiça na guerra e os que preferem a paz; entre os que se tornaram eco da propaganda e os que procuram compreender a irracionalidade da guerra; entre os que as certezas devoram e os que as dúvidas dilaceram.
Antes de reler o sermão do p.e António Vieira, oiço, vejo e
reflito sobre a verdade única que é servida, e reflito sobre a pobreza da
informação relativa à guerra e ao maior drama europeu das nossas vidas, que há
de prolongar-se por várias gerações.
Tudo é rude e atroz, desde o sofrimento dos que fogem ao dos
que são obrigados a ficar, dos que morrem sem convicção aos que sobrevivem dilacerados,
dos que exultam com o sofrimento alheio aos que sofrem seletivamente.
Os semeadores de ódio e da violência são incapazes de pensar
o que teria sucedido aos portugueses espalhados pelo mundo se, durante a ditadura,
os países de acolhimento os olhassem como cúmplices do ditador, ou o que
sucederia aos espanhóis se, atravessados os Pirenéus, os julgassem agentes do
genocida Franco.
A guerra não devora apenas vidas, haveres e honra, embota a
sensibilidade e fomenta o ódio, mata a compaixão e exonera a inteligência, cava
divisões e perpetua absurdos.
Se a tragédia já vivida e a que daí resultará não fossem
ainda suficientes, já se notam os sismos eleitorais que percorrem a Europa.
Nas eleições de ontem, a Hungria e a Sérvia reforçaram os
seus líderes, Viktor Orban e Aleksandar Vucic, mais próximos de Moscovo do que de Bruxelas,
cada vez mais distantes das democracias liberais, a exercerem um mimetismo fascizante
sobre as democracias, com a Polónia ao lado.
A guerra influenciou os resultados eleitorais dos dois países
que viveram sob a ditadura soviética e têm especial apetência por regimes
autoritários. Viktor Orbán subverteu o Estado de Direito, enfraquecendo a
independência dos Tribunais, da educação e da comunicação social, para gritar
agora a Bruxelas a sua vitória e a continuação no poder até 2026, a perseguir
as minorias étnicas e a comunidade LGBTQ+.
Ali ao lado está a Polónia e o seu tradicional antissemitismo,
a sua vocação reacionária e o seu catolicismo tridentino. E a Eslováquia. E a
Moldova. E a Roménia. E a Ucrânia?
Preocupo-me com o futuro das democracias, enquanto a Europa
se torna satélite dos EUA e a Alemanha caminha para o rearmamento próprio.
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