40.º congresso do PSD – JUSTIÇA E POLÍTICA – uma reflexão marginal

Luís Montenegro foi hoje entronizado como novo líder do PSD num conclave com raras mulheres e numerosos notáveis da arqueologia do partido, tendo a bênção de homens de Belém, Marques Mendes e Moedas, a ungi-lo.

Sem o brilho e entusiasmo da incerteza dos congressos onde se elegia o líder, cumpriu-se a liturgia do partido que mais líderes gastou, em menos tempo do que o País leva em democracia, depois de lhe ter sido restituída pelos militares de Abril.

Em 2018, se a memória me não trai, os ex-líderes parlamentares sociais-democratas Luís Montenegro e Hugo Soares foram constituídos arguidos pelo alegado ‘crime de recebimento indevido de vantagem no caso das viagens do Euro 2016’, tal como vários políticos do PS que renunciaram aos cargos governamentais.

Sem simpatia pelos políticos referidos, não gostei da perseguição, com bagatelas penais, quando havia, e há, crimes graves cuja hierarquia devia ser estabelecida pela PGR, sem prejuízo da autonomia dos magistrados a quem cabe a investigação.

Inquirir um ‘crime’ feito às escâncaras, com fotografias, horários e locais de pernoita e repasto conhecidos, para verem um jogo de futebol da seleção nacional, na presunção de que isso os corromperia, pareceu irrelevante face à aparente displicência com os casos dos submarinos, da Tecnoforma ou do desaparecimento de 3 mil milhões de euros já depois da ruinosa decisão da resolução do BES.

Aceitar que um deputado ou um membro do Governo se deixa subornar publicamente é pior do que admitir que no BPN, Banif, BES e BPP não houve subornos ocultos.

Foi chocante saber que Luís Montenegro e Hugo Soares foram constituídos arguidos por aceitarem a boleia para um jogo de futebol e nada se saber de autarcas com provas aparentemente irrefutáveis de faturas falsas, empresas de fachada, contratos públicos viciados, tráfico de influências, negócios simulados, fraudes em subsídios, manipulação de contas e iniciativas fictícias cuja denúncia tem surgido nos media ao longo dos anos.

Não duvido de que a ex-PGR quis recolher provas, mas causa alarme nada se saber, quatro anos depois, já com nova PGR, quando pessoas maldosas duvidam de quaisquer investigações, dado o silêncio dos jornais com acesso a todos os processos.

O País teme que, enquanto se investigaram idas à bola, à borla, tenha faltado tempo ou meios para investigar autarcas ou para reabrir o processo Tecnoforma, arquivado pelo MP, como admitiu a anterior PGR depois de a UE ter exigido a devolução de 6,7 milhões de euros da fraude que o gabinete antifraude da Comissão Europeia garantiu haver.

Ninguém acredita que para poupar incómodos a Miguel Relvas, que concedeu a verba, e ao gestor Passos Coelho que a recebeu, a PGR vacilasse. O futuro relicenciado e o atual catedrático não gozavam certamente de foro especial.

E não podem, agora, Luís Montenegro e Hugo Soares manter-se sob suspeita depois da relevância que a partir de hoje assumem no país, respetivamente presidente e sec.-geral do PSD. Urge divulgar se os processos estão arquivados ou em incubação.

É preciso acabar com as suspeições e evitar o arbítrio da Justiça na gestão do tempo dos processos. Quem defende a independência dos Tribunais, condição indispensável da democracia, não tolera que a política seja refém da Justiça.

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