Maria do Rosário Gama - APRE
“Torturem os números que eles confessam…”
Nunca o título de um livro, escrito pelo falecido Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Prof. Doutor Pedro Ramos (1957-2021), veio tão a propósito ao sermos confrontados com o resultado da Auditoria do Tribunal de Contas sobre os “Relatórios sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social” associados às propostas de Orçamento do Estado de 2018 a 2024.
Neste documento, conclui-se que o modelo que suporta as projeções do relatório “não projeta adequadamente a receita e a despesa do sistema previdencial de Segurança Social”. O estranho desta conclusão é que parece fundamentar notícias recorrentemente lançadas para a opinião pública que parecem tanto mais negativas quanto mais positivo vem sendo o desempenho do Sistema Público de Pensões. Consultando o site do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, verifica-se que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) a chamada almofada das pensões, tem tido um comportamento muito mais favorável que o desempenho de 234 fundos de pensões ativos no mercado. Por outro lado, prevê-se que o saldo da Segurança Social atinja um saldo positivo de 4,4 mil milhões de euros em 2024 e 5,7 mil milhões de euros em 2025.
Estima-se que o valor global do FEFSS atinja os 41 116 milhões de euros em 2025 e os 68 364 milhões de euros em 2030. Note-se que o fundo foi criado em 1989 com uma dotação de 216 milhões de euros. Nada mau para um fundo sempre com morte anunciada há dezenas de anos….
Estes dados, embora sejam projecções sobre a sua sustentabilidade financeira no futuro, indicam que o FEFSS terá recursos mais que suficientes para cobrir os deficit que se antecipam na próxima década. Não deve o mesmo ser utilizado para outros fins para além dos quais foi criado, nomeadamente transferências para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), para cobrir o seu chamado déficit.
É errado, perigoso e inconsistente considerar que a CGA tem déficit, o que conjugado com os saldos da Segurança Social, faria com que passasse a ser percepcionada a ideia da insustentabilidade da Segurança Social já no futuro próximo. A CGA, que paga as pensões de aposentação dos funcionários públicos e que assumiu, em vários momentos, por decisões governamentais, os encargos dos Fundos de Pensões Privados da Banca e do CTT, entre outros, pagando as subvenções mensais vitalícias dos seus ex-funcionários e as pensões dos sobreviventes de militares mortos ou feridos no cumprimento do dever– é, de facto e de direito, um regime patronal e, portanto, nunca pode ser considerada deficitária, uma vez que as receitas da CGA (contribuições de funcionários, serviços e do Estado) cobrem sempre as despesas. Mas, sabe-se lá porquê, no Relatório do Tribunal de Contas é ignorada a contribuição do Estado que está garantida legalmente, de forma expressa, no Estatuto da Aposentação.
O Tribunal de Contas, ao apresentar esta análise, presta um mau serviço à Segurança Social pública, distorcendo a realidade ao "resolver" que parte das receitas legalmente garantidas não "contam" e “legitimando” a versão mercantilista daquelas pessoas que há anos lutam pelo desmantelamento da Segurança Social Pública. Cuidado! Muito cuidado!
E, sobretudo, muito rigor… na utilização dos números!
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