Outra carta de um filho ao pai desavindo (fotocópia clandestina).
Senhor meu pai, meu dileto:
Não calculas como sofro com o teu silêncio! Não me
respondeste à última carta e não me atrevo a telefonar-te enquanto não me
enviares a bênção. E desconfio do WhatsApp cujo encriptamento pode ser
decifrado pelos nossos inimigos, que devassam a conversa, como fizeram com os
emails da nossa perdição.
Não calculas, senhor meu pai, o que dizem nas redes sociais,
mesmo alguns dos que te devem os cargos! Que és um construtor de cenários,
escorpião, tartufo e catavento! Que és capaz de tudo por vingança, narcisismo
ou ambição! É mentira. E os nomes que te chamam, que nunca se dizem em público,
são linguagem de almocreve.
Até dizem que as fitas que dependuras ao pescoço das pessoas
são para pagares favores e comprar fidelidades. São uns malvados!
Sabes que tens sempre a minha casa, agora que já não temos
aqui a do sr. Ricardo, mais sumptuosa, e espero que não te ostracizem como a
ele, que era tão bom para nós.
Senhor meu pai, quando te reformares do emprego que
construíste com a paciência de um monge e a astúcia de um felino, abandona o
Tejo e as pedras da calçada e vai para a Costa onde encontras quem te estima,
pessoas da nossa condição, a passear no Paredão.
Troca o Beco do Chão Salgado, onde esbates a raiva contra
quem te contraria, pelo mar, onde pedes perdão a rezar o terço enquanto nadas
no Atlântico.
Deixa a ginjinha, os pastéis de nata, o moscatel e os
gelados, que te arruínam o fígado e a compostura, e os ingratos e hipócritas
que te abandonam como ao sr. Ricardo.
E não deixes de enviar-me a bênção, senhor meu pai.
Teu filho,
a) Assinatura ocultada (de acordo com a lei de proteção de
dados).
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