Ramalho Eanes – O seu passado e o surpreendente silêncio perante André Ventura

Eanes foi, em 1973, um dos oficiais do Quadro Permanente que teve a coragem de subscrever o abaixo-assinado de protesto contra o I Congresso dos Combatentes do Ultramar, realizado no Porto, destinado a apoiar e legitimar a guerra colonial. Foi, aliás, a sua contestação à política colonial que o levou a aderir ao MFA.

Em 1975 participou na conspiração do Grupo dos Nove, liderada por Melo Antunes, e o comandante da Região Militar de Lisboa (RML), Vasco Lourenço, designou-o para chefiar no terreno, em 25 de novembro, as tropas fiéis à RML e ao PR Costa Gomes.

O 25 de novembro de 1975, tal como o 11 de março do mesmo ano ou o 28 de setembro de 1974, foi um dos três momentos cruciais, o último, do 25 de Abril, o dia em que os capitães legaram ao País a democracia. O MFA foi o pai da democracia, não os civis.

A vitória do 25 de novembru permitiu manter o mesmo Governo Provisório, recompor o Conselho da Revolução e criar condições para o regular funcionamento da Assembleia Constituinte com a composição partidária saída das eleições livres, após a mais longa ditadura europeia, para elaborar e aprovar a atual Constituição da República Portuguesa.

Foi a sua missão, que Eanes cumpriu com mérito, que levou o Conselho da Revolução a indigitá-lo como candidato às primeiras eleições livres para PR, eleições que venceu pelo voto popular. E, tendo-se proposto ao segundo mandato, de novo apoiado pelo PS, foi reeleito contra um general de passado nebuloso, Soares Carneiro, apoiado pelo PSD, CDS e a extrema-direita, então ainda órfã de partido.

Eanes é um cidadão honrado que sabe o que deve ao general Costa Gomes e ao Grupo dos Nove que o elevaram a general, primeiro, e o indicaram, depois, à eleição para PR.

 Ganhou aí, por mérito próprio, o prestígio que levou André Ventura, numa entrevista em que insultou a memória a Mário Soares, defendeu posições xenófobas e incentivou o ódio, a usar o seu nome, prestígio e percurso para os reclamar como exemplo inspirador do seu próprio modelo de PR, dele e do Chega.

Eanes não pode ser comparado, na sua atuação de PR, a qualquer outro que lhe sucedeu porque a CRP lhe conferia poderes e responsabilidades que Mário Soares e Pinto Balsemão lhe retiraram em processo de revisão. Só pode ser comparado na honradez e patriotismo com que exerceu o cargo, comparação honrosa em que não teme confronto.

Desde 1 de novembro, depois dessa descabelada entrevista à CNN em que insultou o jornalista e os dois políticos que lhe faziam perguntas, um ex-líder do CDS e um militante do PS, que se aguarda que Eanes desautorize o fascista André Ventura pela apropriação do seu legado histórico para propaganda pessoal e partidária.

Eanes tem ideias políticas e conduta antagónicas às de Ventura, mas, com a democracia em risco, o seu silêncio não pode continuar. O seu passado democrático e a dívida para com o País e os camaradas a quem deve o papel histórico que soube merecer, exigem-lhe o repúdio das ignóbeis afirmações de Ventura a que associou o seu nome.

Ventura quis desonrá-lo. O amor ao País e à democracia, e o respeito pelo seu passado e papel histórico, obrigam-no a quebrar o silêncio. 

Fale, sr. General Ramalho Eanes.


Comentários

Caro Carlos Esperança,
Julgo que poderá esperar sentado que Eanes desminta o fascista.
Eanes, após lhe retirarem os poderes através da CRP, imiscuiu-se, enquanto PR, na política governativa ao criar o "seu" partido o PRD, que posteriormente ofereceu duas maiorias absolutas àquele que mais lucrou com as acções da SLN.
E isso é uma mancha no exercício do múnus presidencial de Ramalho Eanes.

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