O próximo referendo sobre o aborto


Creio que ninguém, de bom senso, defenderá o aborto como método contraceptivo mas ninguém, de sãos princípios, quererá ver na prisão as mulheres que, quantas vezes em condições dramáticas, a ele recorrem.

A interrupção voluntária da gravidez (IVG) é, antes de mais, um problema de saúde pública que é urgente resolver. A mortalidade provocada em vãos de escada devia pesar na consciência dos que, sendo normalmente homens, condenam sempre as mulheres.

Muitos dos que hoje ameaçam, chantageiam e flagelam a consciência dos que querem resolver uma situação que envergonha o país, foram em tempos contra qualquer espécie de contracepção e contra o planeamento familiar.

Depois bateram-se no Parlamento, donde o problema nunca deveria ter saído, contra a despenalização nos casos de violação, malformação do feto e risco de vida para a mãe. Recentemente vociferaram contra a pílula do dia seguinte e ruminam azedume contra o uso do preservativo na defesa das doenças sexualmente transmissíveis.

Comportam-se como se a lei tornasse obrigatória a IVG quando apenas se pretende que não remeta para os tribunais o seu julgamento e para a cadeia as mulheres.

Em nome de valores, respeitáveis, da sua consciência, há quem os queira impor a todos os outros. Há, no fundo, uma concepção totalitária e vocação inquisitória que revela uma tradição misógina de contornos confessionais.

A IVG não é uma luta entre esquerda e direita. Em França foi a direita que legalizou a IVG. Em Espanha, com Aznar ligado ao Opus Dei e a presidir ao Governo, Badajoz funcionou como destino de ricaças enquanto a polícia portuguesa sujeitava operárias a exames ginecológicos vexatórios e os juízes as condenavam.

É a este estado de coisas que se espera que o próximo referendo ponha cobro. Não estou seguro do resultado porque, embora a esmagadora maioria do povo português discorde das sanções, são muitos os que se desinteressam de manifestar nas urnas o seu desejo.

É preciso uma forte campanha de mobilização dos sectores liberais da sociedade portuguesa.

Comentários

Anónimo disse…
PORTO, 2006.09.17
Considero o texto óptimo, porque nunca é demais bater na tecla. E acho ainda que o aborto precisa do bom senso de todos e do respeito por quem necessitar desses serviços.
JS
Anónimo disse…
Eminência:

Bem-vindo de novo a este espaço onde a sua presença é um bálsamo.

A sua bênção é preciosa.
Anónimo disse…
Oh! Cardeal

Vossa Eminência está a um passo de se tornar um apóstata.
A opinião, donde vem, é paradoxal.

Mas, como sabemos, o paradoxo tem um papel central nos debates sobre ética.

O novo referendo, também, passa por aí.
Manel disse…
Não é a sociedade que, despenalizando o aborto, o vai incentivar.
Actualmente as mulheres que abortam são empurradas para longe.
E longe da vista ...
Anónimo disse…
Texto extraordináriamente justo, no melhor blog português.



Vamos ver o que dizem os jornais, e o que será a campanha.
Vamos ver o bom senso dos eleitores.
Anónimo disse…
Anonymous Seg Set 18, 05:10:19 PM:

Já reparou como a sua opinião é minoritária?

Deixa-me desvanecido mas leia os insultos que me foram reservados nas caixas de comentários.

Obrigado, não pela injustiça e exagero, mas pelo estímulo.

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