A Assembleia da República e o papa Francisco
A semelhança do PR, também o Parlamento português queria fazer uma genuflexão ao papa Francisco, esquecendo que um país laico não deve manifestar alegria nem tristeza pela exótica eleição de um regedor para o Vaticano.
Não bastavam as suspeitas que recaem sobre o novo papa, quanto às ligações passadas com a ditadura argentina, para que os deputados se coibissem de felicitar quem preside a 44 hectares de sotainas, com poder absoluto e vitalício.
Que o PR, pela idade e deficiente entendimento do carácter laico da Constituição, se sentisse muito feliz com este ou qualquer outro Papa, não se aceitando, compreende-se.
Que a AR perca tempo a saudar o último ditador europeu, é uma vergonha que só não é nacional graças à abstenção honrada de alguns deputados.
O voto de saudação foi aprovado com os votos favoráveis do PSD, CDS-PP e PS e com a abstenção do PCP, BE e PEV e de seis deputados da bancada socialista, Pedro Alves, Mário Ruivo, Miguel Coelho, Isabel Moreira, Elza Pais e António Serrano.
Comentários
Voltando ainda à esfera religiosa temos de concordar que é difícil estar bem com deus e com o diabo...
Este incidente revela um inegável fenómeno de 'descaracterização' doutrinária nada abonatório para quem o pratica. O Estado português não tem um carácter laico ou um cheirinho de laicidade.
Alguns políticos portugueses preferem esquecer o princípio constitucional da separação entre a Igreja e o Estado em benefício de uma absurda enfatização de condições (convicções) pessoais. Quando não se consegue separar as águas a este nível será também difícil consegui-lo no que diz respeito à separação de interesses públicos e privados.
A promiscuidade - em qualquer âmbito onde se manifeste - nunca aportou nada de bom aos povos.
Mais lamentável é ainda que o PS se tenha associado à proposta, desviando-se assim, mais uma vez, dos princípios que devia defender, designadamente o da laicidade do Estado, princípio fundador do socialismo democrático e até do simples republicanismo cuja herança devia assumir.
Honra aos que se abstiveram (só é pena que não tivessem votado contra), sobretudo aos do PS, por terem tido a coragem de ir contra a direção da sua bancada.
Com um PS invertebrado não vamos a lado nenhum.