Portugal e a ‘traição’ neoliberal…

A conferência de imprensa do Ministro das Finanças após o 7º. exame regular da troika link, embora não o próprio nunca o tivesse admitido, colocou o País em ‘alvoroço’.

Foi mais um penoso e entediante arengar monocórdico que, apesar de todos os malabarismos de uma estafada retórica económica e financeira, não conseguiu mais do que confirmar as anunciadas suspeitas sobre a inviabilidade do processo de ‘ajustamento’, a que o País está submetido desde há 2 anos. link.

O Ministro evitou falar em ‘resgate’ e fugiu de fazer referências ao futuro. Encenou alucinantes balanços – sempre ‘provisórios’ - perante os destroços de um País, naquele estilo bem lusitano de que foi (muito) mau, mas podia ter sido pior. Teve a ‘distinta lata’ de sugerir que a avaliação feita ‘foi positiva’. Enfim, convocou uma conferência de imprensa em Lisboa não para explicar os gravíssimos problemas do País aos portugueses mas para enviar ‘sinais’ (por sinal errados) aos ‘credores’.
Na verdade, o erro tomou de assalto o Ministério das Finanças. E, de erro em erro, caminhamos para a insustentabilidade do País a reboque de experimentalismos neoliberais recheados da mais pungente insensibilidade política e social e de um inacreditável amadorismo.

O ministro Vítor Gaspar tentou – mais uma vez - contornar o óbvio com embustes. Quando afirmou que o desemprego é um ‘flagelolink está, com certeza, a brincar. Sabe perfeitamente que esse descalabro é fruto da aplicação de modelos que decorrente um Memorando (irrealista) mas que o Governo optou pelo ‘ir mais além de…’, destruindo da economia, provocando o colapso do mercado interno e no meio do estouro o consequente arrefecimento das exportações. O modelo adoptado foi – para usarmos linguagem directa – o dramático empobrecimento do País para níveis incompatíveis com a democracia e a dignidade humana, tendo atirado largos sectores populacionais para uma intolerável e insustentável situação de miséria.

Quando, na passada 6ª. feira, falou na dívida pública o que tentou desenhar foi um completo absurdo para não dizer falaciosa narrativa da realidade. Aliás, o que disse, na boca de um académico de Economia, seria hilariante se não fosse trágico. O Ministro sabe perfeitamente – quando mais não seja pelos seus ‘colegas’ do BCE – que a dívida pública a caminhar para valores que representam 124% do PIB, em 2014, se tornou absolutamente 'impagável', por mais veementes que sejam os protestos no sentido de publicamente garantir o propósito de a liquidar (com quaisquer tipos de ‘maturidades’), por mais que se tente confiscar os cidadãos. Mas sabe mais: terá necessariamente a percepção que mesmo não contraindo mais empréstimos no 'mercado', daqui para a frente, a percentagem da dívida continuará a aumentar porque o PIB está em permanente queda, fruto dos seus ‘ajustamentos’ económicos e fiscais. O que está em marcha é um progressivo endividamento lado a lado com o aprofundamento da ‘espiral recessiva’, situação que continua ingloriamente a querer iludir. Terá, também, a noção de que mesmo que sejam dilatados os prazos de pagamento dos juros nada está garantido quanto à resolução do problema da dívida, já que o ‘ajustamento’ da economia associado ao ‘esmagamento’ dos rendimentos das famílias tudo destruiu, tendo deixado os cofres públicos exangues. Nada se pode tirar do vazio.

Hoje, a blasfémia de há 2 anos – a necessidade de obter um perdão da dívida – anda de boca em boca e ocupa um lugar de destaque no discurso de economistas responsáveis link.
Contudo, o Governo prefere prolongar o escamotear das evidências. Não sabemos bem porquê. Se é pelo receio de ter de vir a público reconhecer o estrondoso falhanço do experimentalismo neoliberal para aonde nos empurrou ou, se estará comprometido em ‘sacar’ aos portugueses o último cêntimo, para o endossar aos credores e, logo, resta-lhe ‘resistir’ até aonde puder.

O ministro, e por arrastamento o Governo, na última 6ª. feira, veio a público fazer um patético harakiri. A partir de agora a manutenção em funções deste Executivo pode ser um acto de teimosia sustentado por um grupo de aficionados neoliberais ou, então para sermos mais abrangentes, essa manobra acrescida da fútil complacência do Presidente da República, mas não faz qualquer sentido para os portugueses. Por cada dia a mais que este Governo se mantenha em funções mais complicado se tornará o indispensável ‘re-resgate’ da dramática situação para aonde fomos conduzidos com o beneplácito e a cumplicidade de uma União Europeia em franca desagregação económica e política e completamente subjugada a interesses monetaristas.

A  'receita' que nos foi imposta, i. e., uma austeridade cega, feroz, instantânea e vazia de sentido, não criou nada de novo, nem de saudável, nem de ‘estruturante’. Contentou-se com um brutal empobrecimento do País. Mas o problema é maior: os cidadãos sentem-se traídos.
E, na 6ª. feira passada, o que - de concreto - o ministro das Finanças conseguiu revelar foi a trágica e insuportável dimensão dessa traição. Na realidade, o Governo tornou impossível viver com dignidade em Portugal. O que - não é preciso ser adivinho - fará explodir incontroláveis paixões políticas e levará à ruptura do tecido social.
Tão mau quanto isto!

Comentários

Excelente análise. Subscrevo integralmente.
O óbvio, numa excelente radiografia.
Eh pá! Felicito-o por ter empregado a palavra "traição", que eu tenho usado permanentemente para caracterizar a vergonhosa submissão de Portugal aos interesses do capitalismo financeiro, por parte dos três partidos que assinaram o Memorando da Troika. Os resultados estão à vista. A austeridade imposta aos países periféricos apenas está a servir para salvar os passivos dos bancos alemães, que promoveram agressivamente a dívida com dinheiro da especulação bolsista (há quem fale também em moeda falsa, com a impressão de moeda que não entrou na economia alemã, sendo encaminhada diretamente para os bancos). Temos de concordar que a alienação da soberania é um crime de alta traição. Temos de concordar também que esta impiedosa austeridade imposta aos portugueses é um criminoso saque, que a justiça (se houver oportunidade) terá de julgar. Não pode haver impunidade para quem deliberadamente arrasou a economia e atirou para a miséria milhões de portugueses.

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