De repente, sinto medo

De repente, sinto medo. Não por mim, que já estive 52 dias em coma profundo gozando as «delícias do nada», não pelos que já tiveram da vida o seu quinhão e, muito menos, pelos que se repoltrearam à solta na gamela do orçamento, mas pelos que vão herdar as dívidas que deixamos, sem a água, o ar e a energia que estafámos na orgia do consumo.

Deixámos que a bomba demográfica explodisse, com 8 mil milhões de pessoas, quando o Planeta só consegue sustentar metade e sem as assimetrias que se consentiram.

Quando a fome vitimava centenas de milhares de crianças, longe das nossas fronteiras, quando a malária e a sida dizimavam o continente a sul da Europa era-nos indiferente o seu destino e a angústia das mães que tinham de escolher os filhos mais robustos para as acompanharem à procura de água e de comida.

Permitimos que o sistema financeiro se tornasse o deus do nosso futuro, tão insensível e perverso como aquele que os homens inventaram na Idade do Bronze. De repente, em Portugal, transformado num laboratório de experiências neoliberais, à mercê de agiotas e vampiros, sentimos que as últimas promessas que nos fizeram eram mais falsas das que outros já nos tinham feito.

Embalados no ódio e ressentimento clubista dos partidos da nossa perdição, sentimo-nos abandonados no mar da incerteza e na fogueira onde ardem as últimas ilusões das mais recentes mentiras.

Podemos arranjar bodes expiatórios, gritar contra os agiotas, injuriar os néscios que nos governam, mas não vejo propostas viáveis para nos libertarem do labirinto do desespero em que nos lançámos.

Digam-me quem nos emprestará dinheiro para a comida e os medicamentos quando nos cansarmos dos agiotas que já lá têm, hipotecado, o destino dos nossos filhos. Não basta dizer o que não queremos, urge saber o que podemos fazer. E ninguém nos diz. Gritam-se slogans, insultos e vaias enquanto os campos morrem, secam os rios e arde a floresta.

De repente, sinto medo.

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