Cavaco Silva – o reincidente escritor

Há pessoas que, em vez de exibirem o currículo feito ao sabor dos seus desejos, deviam esconder o cadastro que tropeça nos factos.
Não há em Cavaco motivos que o recomendem para a literatura, mesmo a memorialista, da qualidade da prosa à fiabilidade das afirmações, da ausência de isenção ao sectarismo do ressentimento, do ódio vesgo aos adversários à indulgência para com amigos e para si próprio.

Cavaco Silva descansou eventuais leitores, ao afirmar que termina a prestação de contas aos portugueses, contas que ninguém lhe pediu, onde é copioso nas acusações que faz e omisso nas explicações que deve.

O ex-PR sabe que a Constituição o protege de qualquer prestação de contas e da mínima investigação no Conselho de Estado, razão por que devia dar as explicações que não se podem confirmar, em vez de fazer acusações que ninguém pode desmentir. Ele sabe que o grande colar da Ordem da Liberdade não o faz democrata, como a oferta de uma cátedra não transforma Passos Coelho em académico.

Cavaco tem memória seletiva, apesar de ter um gabinete vitalício, eficaz a guardar-lhe os papéis e a registar-lhe as intrigas. Não escreve sobre o que os portugueses pretendem, divaga sobre o que gostaria que acreditassem. Não esclarece como foi parar à vivenda de Ricardo Salgado, e com quem, a preparar a primeira candidatura vitoriosa a Belém, mas diz que adivinhou que este governo duraria toda a legislatura. Não se arrepende do que disse sobre os riscos do atual governo e dos custos dos juros da dívida que só não foram maiores porque era parca a sua credibilidade, mas lembra-se de ter pensado que António Costa queria salvar o seu futuro político e o do PS ao exigir o governo que lhe negou enquanto pôde.

Não se conhecem os motivos do ascendente de Passos Coelho sobre Cavaco, o que dele saberá que nós não sabemos, mas surpreende que um político que se julga ungido pela genialidade tenha acolhido como sua a escolha de Relvas e Marcos António.

A Cavaco bastou o convite a Jardim Gonçalves para o BCP e a sua nebulosa ligação ao BPN para não haver unguento que lhe sare as feridas que procura ocultar sob a profusão de Roteiros e o fumo das quintas-feiras e outros dias.

O parolo de Boliqueime descai-se a dizer que o PSD ofereceu o ministério das Finanças ao CDS, dada a alegada incompetência de Maria Luís, e foi Paulo Portas que o recusou, deixando Cavaco e o Opus Dei sem o ministro óbvio, Bagão Félix.

Hoje, é uma assombração que a comunicação social periodicamente exuma na patética expetativa de uma ressurreição impossível.

Descanse em paz.

Comentários

e-pá! disse…
O livro de Cavaco Silva não será uma vã tentativa de o homem de Boliqueime enveredar pela 'escrita alegórica'?
De 'nascer uma segunda vez' na busca de uma honorabilidade perdida?

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