José Saramago – 20 anos depois do Nobel

O maior ficcionista português de todos os tempos foi um escritor que se reinventou em cada livro que acrescentou ao banquete da literatura. O jornalista robusteceu a escrita na crónica e tornou-se um caso ímpar na arte de contar, na forma como moldou a língua e na argúcia com que abordou o outro lado da nossa História nas mais belas páginas da literatura.

Há 20 anos, mal acabara de ser anunciado o Nobel do nosso contentamento, recebi uma chamada de um colega amigo a transmitir-me a novidade e a dizer que a minha convicção se tornara realidade. Há anos que esperava ver o nome de Saramago entre os laureados do prémio maior da literatura, como ele sabia. Aconteceu.

Foi com um grito de júbilo que gritei a notícia no bar do Hospital de Leiria, onde me encontrava, para ficar estupefacto com o desconhecimento generalizado do escritor e a indiferença perante o galardão. Há paladares rudimentares que a Universidade não ajuda a requintar e as iguarias são para quem pode apreciá-las.

Vinte anos volvidos, Saramago não precisa de panegiristas, merece apenas ser lido com a sedução que inspira, o prazer que transmite em cada página e a descoberta da riqueza da língua portuguesa trabalhada por um notável criador.

Ao indizível prazer da leitura do gigante literário que é José Saramago junta-se o deleite pelo azedume que provocou o seu êxito e a animosidade de que ainda é alvo o escritor ateu.

L'Osservatore Romano, diário do Vaticano, escreveu quando B16 era líder da empresa: “Saramago é, ideologicamente, um comunista inveterado” e, depois da sua morte, ainda lhe chamou “populista extremista” e “ideólogo antirreligioso”, epítetos que o honram.

Sousa Lara, pai do exorcista homónimo, subajudante de ministro de Cavaco, censurou “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” e opôs-se a que fosse incluído para o concurso a um prémio literário europeu. Foi a rosto do cavaquismo, boçal, vesgo e analfabeto.

O eurodeputado do PSD, Mário David, nascido em Angola, e a viver há décadas fora de Portugal, declarou ter vergonha de ser compatriota do escritor e que este devia renunciar à nacionalidade portuguesa.

O Dr. Manuel Clemente, então bispo do Porto e ora o mais medíocre patriarca de Lisboa do último século, afirmou que José Saramago “revela uma ingenuidade confrangedora quando faz incursões bíblicas” e, como “exigência intelectual, deveria informar-se antes de escrever”, com o se alguém o obrigasse a ele, bispo, a pensar antes de falar.

Saramago teve a sorte de viver numa época, como admitiu, em que não havia fogueiras da Inquisição, e Portugal a de gerar um escritor cujas posições políticas são irrelevantes para a talentosa criatividade do Nobel do nosso contentamento.

Comentários

José Corvo disse…
"Doze livros de José Saramago estão entre os classificados com os mais altos níveis de interdição do Opus Dei a nível internacional, num Index que envolve 79 obras de autores portugueses, incluindo Eça de Queirós, Fialho de Almeida, Vergílio Ferreira, Miguel Torga, Lídia Jorge ou David Mourão-Ferreira. Esta é uma das revelações de um extenso trabalho de reportagem feito pelo jornalista Rui Pedro Antunes e publicado no dia 28 de janeiro de 2013 no Diário de Notícias".
Obrigado, José Corvo, pelo precioso contributo.

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