BE e Social-Democracia ou tentar vender o gato por lebre…


Quando Catarina Martins – numa entrevista a um jornal on-line da Direita – afirma que “o programa do Bloco é social-democrata” link torna-se público e notório como 'confusões ideológicas' tendem a colonizar alguns partidos.
Não propriamente nas estratégias políticas desenhadas mas, decididamente, em relação à campanha eleitoral em curso. Comecemos por aí. Esta ‘dupla face’ está muito mais próxima da Direita, habitual habitáculo de todas as mistificações e de uma postura filosófica ‘pascaliana’, onde ‘nem a contradição é sinal de falsidade, nem a falta de contradição é um sinal de verdade’.
Na verdade (…será este o objectivo), trata-se de um falso engodo para apanhar incautos. Mondar em seara alheia pode ser uma lúdica aventura mas nada mais do que isso. Dificilmente se encontrará no léxico político um conceito tão prostituído como a social-democracia. Tornou-se num albergue espanhol onde toda a indefinição que vai do PSD, passando pelo PS e, agora, no BE, cabe. 
A partir do fim da II Guerra Mundial a social-democracia tem aceleradamente sofrido várias metamorfoses cujo resultado está bem à vista: uma total descredibilização.
É verdade que a social-democracia enveredou, a partir da primeira metade do século XX, pela chamada ‘via reformista’ em contraponto com a ‘senda revolucionária’ que centrava as suas opções em conceitos marxistas e na luta de classes. Esta foi a principal rotura com as ideias socialistas originais que historicamente se entroncam na Revolução Francesa e afloram na consequente industrialização. Este é o berço da social-democracia.
O ‘reformismo’ - a partir desta viragem que na I Guerra Mundial cindiu o movimento socialista entre reformistas e revolucionários – foi incorporando parte substancial da doutrinação liberal e foi perdendo individualidade política.
Não vamos re-discutir os problemas que a II Internacional levantou e que conduziram à clivagem entre mencheviques e bolchevistas. Se nos fixarmos na atualidade verificamos que ao longo do tempo se verificou uma extrema usura do conceito reformista e até as ideologias mais conservadoras reclamam ‘reformas’ (muitas vezes sem explicitar quais).
Hoje, qualquer partido de Direita reclama-se do ideário reformista, descaracterizando em absoluto o conceito inicial de uma via que conduziria à justiça social. Exemplo desta situação são as fatídicas ‘reformas estruturais’ do neoliberalismo (Governo de Passos Coelho) onde se pretendeu extorquir os trabalhadores e, mais infame, ‘justificar’ o empobrecimento.
Existiram, é certo, movimentos sociais-democratas que perseguiram um objectivo bem definido - como os que vigoraram nos países nórdicos da Europa - cuja centralidade foi a construção de um Estado de Bem-Estar. Aí houve um relativo êxito, mas totalmente efémero, já que as mudanças se confinaram ao terreno social (da justiça social) deixando indemne todo o sistema económico, nomeadamente, sem tocar num eixo fundamental, isto é, o questionar da propriedade ou, pelo menos, o controlo dos meios de produção.
Na segunda metade do século XX as ‘adaptações’ que a social-democracia viria a sofrer foram múltiplas. Todavia, a mais relevante foi a chamada 3ª. via, defendida por Tony Blair (e por Bill Clinton), que – conjuntamente em 1998 - tentam promover a conciliação do que até então foi absolutamente irreconciliável e diferenciador, isto é, a confluência entre o liberalismo económico e os resquícios sociais advindos das velhas doutrinas socialistas.
Esta bissectriz, tremendamente artificial e sem qualquer consistência ideológica, teve uma curta duração já que sendo um bluff político-ideológico acabou por ser rejeitado (eleitoralmente) pelos cidadãos.
Pior do que isso, esta deriva, acabou por descredibilizar completamente a social-democracia que, liminarmente, se declarou como candidata a uma gestão humanizada, mas fraudulenta, das selváticas distorções geradas pelo sistema capitalista abdicando de qualquer armadura doutrinária, criando uma gelatinosa opção ideológica que o tempo se encarregou de autodissolver arrastando no caminho partidos políticos cruciais para a Esquerda europeia como foram o PS francês, o PASOK grego, o Labour britânico, o SPD alemão, o PCI e o PD italiano, para citar os mais influentes e visíveis.
A declaração de Catarina Martins revela alguma imaturidade política a par da ganância de conquistar votos (em todos os tabuleiros). A vida não é fácil para a Esquerda constantemente assediada pelas poderosas e tentaculares forças do Capital mas a pior coisa será travestir-se ideologicamente. Vestir a pele de cordeiro e com isso perder a configuração identitária pode não ser um bom disfarce e será duvidoso que conduza a bons resultados. A crise identitária é bem visível. Um partido (BE) que nasce da agregação do Partido Socialista Revolucionário (PSR – trotskista), da União Democrática Popular (UDP – revolucionário) e da Política XXI (dissidentes do PCP/Plataforma de Esquerda) não pode proclamar que tem na manga um programa social-democrata.
A sua matriz identitária e a evolução histórica não lho permitem. Aliás, esta afirmação de 'devoção social-democrata' vem, indirectamente, dar razão às dissidências bloquistas (p. exº. Ruptura/FER, MAS, etc.) verificadas ao longo do seu percurso.
Nota Final:
A arrumação imediata que se impõe, depois destas declarações de Catarina Martins, puramente topográfica, terá algum significado na simbologia política. Quando a Assembleia da República reabrir um novo arranjo distributivo nas bancadas parlamentares deve ter lugar. Um partido que quando da sua entrada no Parlamento exigiu ficar sentado no hemiciclo à esquerda do PCP, deve mudar de poiso e deslocar-se para a Direita.

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